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A Síndrome do Excesso de Omeprazol É Ainda Mais Perigosa

“Doutor, tomo omeprazol por causa dos outros remédios.” Será que é assim mesmo que funciona? Quais os riscos do uso da classe desses medicamentos? O que é mito e o que é sério?

Ao atender pacientes na meia ou terceira idade, é comum deparar-me com listas de medicação relativamente vastas… algumas facilmente passando das doze e ocupando frente e verso do receituário. A essa condição, presente em 40% dos idosos, damos o nome de polifarmácia. Entre suas consequências, as mais óbvias são confusão, problemas de adesão, interações medicamentosas e quedas – sempre perigosíssimas para os idosos.

Tentar organizar a prescrição, ou as diversas vindas de muitos especialistas, é uma das tarefas de clínicos e de quem atua na geriatria. Entre os medicamentos mais comumente prescritos e que consigo retirar com maior facilidade estão os da classe dos inibidores da bomba de prótons (IBP) – capitaneados pelo omeprazol. “Seu José, por que você usa esse omeprazol duas vezes ao dia?” – pergunto. “Doutor, é porque tomo muitos remédios. É para proteger o estômago e não faz mal.” – é uma resposta frequente. Há indicação científica para o uso de IBP para casos de polifarmácia? O uso do omeprazol – ou de qualquer outro da sua classe – realmente não faz mal?

Vamos lá.

Os inibidores da bomba de prótons diminuem a produção de ácido pelo estômago, aumentando o pH e reduzindo sintomas ocasionados por gastrites e, pelo cada vez mais presente, refluxo gástrico. Em pacientes que sofrem com essas doenças e de algumas outras mais raras, o uso dos “prazóis” realmente ajuda e muito – claro que sempre após avaliação médica detalhada.

O grande problema se dá na prescrição excessiva dos IBP. Em pesquisa feita em Singapura, em 2014, 81% dos idosos atendidos que faziam uso da classe, não tinham indicação correta. Em outro estudo, feito nos Estados Unidos, esse número foi também elevado: 52%.

Sobre a principal indicação nesses casos, temos a prevenção ou proteção quando do uso de outras medicações – isso em pacientes não hospitalizados. Cientificamente, isso não encontra amparo algum. A única indicação preventiva dos IBP é na concomitância com os anti-inflamatórios, entre eles os corticoides – em suas diferentes apresentações – e dos não esteroidais (diclofenaco, ibuprofeno, cetoprofeno, nimesulida, naproxeno, entre outros). Hoje, para ilustrar essa indicação, existe até um anti-inflamatório que combina naproxeno com um IBP. Excluindo-se essas medicações anti-inflamatórias, que devem ser prescritas com bastante cuidado em idosos e costumam ser indicadas por pouco tempo, não há necessidade do uso de inibidor de bomba para prevenir “dor de estômago” ou “proteger” o órgão em casos de polifarmácia.

Até porque essa prescrição ou automedicação pode, ao contrário do que me disse o Sr. José, ocasionar alguns sérios problemas de saúde. Entre eles, mascarar um condição tratável, como a infecção pela bactéria H. pylori. Sem contar que essa classe interage com dezenas de medicamentos, como antidepressivos (entre eles o citalopram), o antiagregante plaquetário clopidrogrel e antibióticos, como a amoxilicina. Além disso, interferem na absorção do hormônio da tireoide (levotiroxina) e diversos suplementos de cálcio. Pouca gente sabe, mas o uso de qualquer um dos inibidores de bomba causa dificuldade na absorção de nutrientes como vitaminas (D e B12, por exemplo) e minerais (zinco, magnésio, ferro e cálcio). Não é à toa que existe um risco aumentado para osteoporose e fraturas. Recentemente, uma pesquisa com pacientes com a doença do refluxo e em tratamento com IBP, mostrou que, num acompanhamento de 10 anos, eles tiveram um risco 51% maior de desenvolver osteoporose. Outra condição que o consumo da “família do omeprazol” pode ocasionar, por reduzir a barreira ácida no estômago, são infecções intestinais por uma bactéria complicada chamada Clostridium difficile. Cãibras também podem ser queixas oriundas da falta de magnésio – uma das consequências possíveis do uso dessas medicações.

Talvez a consequência mais grave do uso dos IBP seria o risco aumentado para desenvolver uma síndrome demencial. É, isso mesmo, demência. Havia estudos pequenos indicando que isso seria possível. Ontem, dia 15 de fevereiro, foi publicada pesquisa numa das mais conceituadas revistas médicas (The Lancet Neurology), tratando justamente sobre essa relação. No total, quase 3 mil idosos foram avaliados pelos cientistas alemães. Qual o resultado? Será que era mesmo só um boato de internet? Infelizmente não. Foi encontrado um risco 44% maior para desenvolvimento de demência nos pacientes que usaram qualquer um dos medicamentos da “família do omeprazol” por 18 meses ou mais. Os pesquisadores foram bastante prudentes e destacaram prováveis explicações para esse resultado, como a associação com doenças importantes que aumentam o risco para as demências, como a depressão e os acidentes vasculares cerebrais. Além disso, opinião minha, as deficiências nutricionais também podem ser responsabilizadas.

Pessoalmente, posso falar sobre o uso dos inibidores da bomba de prótons. Tenho a doença do refluxo gastroesofágico. Em decorrência de sintomas, fiz uso de esomeprazol em algumas ocasiões. No entanto, consigo controla-los perfeitamente adotando hábitos comportamentais preventivos: fraciono refeições; evito exageros, frituras, alimentos gordurosos e bebidas alcóolicas; não me deito logo após me alimentar; e mantenho o peso adequado. Sei que muitas pessoas fazem tudo isso e mesmo assim sofrem com os sintomas. Nesses casos, a medicação é sim muito bem indicada, uma vez que ela aumenta a qualidade de vida, melhora as queixas digestivas e influencia até mesmo no sono.

O que faço no consultório?

Em pacientes que usam omeprazol – ou seus “irmãos” – e não tiveram uma investigação feita, tento verificar a necessidade de indicar a endoscopia. Costumo indicar o exame caso o paciente não tolere a retirada da medicação, mesmo adotando medidas comportamentais. Geralmente, a retirada supervisionada costuma ter sucesso. Além disso, contamos com profissionais gastroenterologistas muito competentes aqui no Rio Grande do Sul.

Como vimos, com essa conduta, o paciente é exposto a menores riscos, sem contar os benefícios psicológico (por usar um medicamento a menos) e financeiro (podendo variar entre 360 a 720 reais/ano). Vale a pena, com certeza, conversar com seu clínico a respeito desse assunto.

Um grande abraço,

Leandro Minozzo

Médico nutrólogo (titulado pela ABRAN) e pós-graduado em geriatria pela PUCRS.

CREMERS 32053

 

Australas Med J. 2014 Nov 30;7(11):465-70. doi: 10.4066/AMJ.2014.2093. eCollection 2014; J Am Med Dir Assoc. 2013 Jun;14(6):429-32. doi: 10.1016/j.jamda.2013.01.021. Epub 2013 Apr 9.; Ann Pharmacother. 2013 Jun;47(6):773-80. doi: 10.1345/aph.1R556. Epub 2013 Apr 30.;

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2 Comentários

  1. Márcia Rodrigues da Silva

    bah, agora me preocupei: estou fazendo uso de Omeprazol pq fiz endoscopia e apareceu leve gastrite. Mas, pra variar, pela Unimed, o gastro só me atenderá em agosto. E o clínico me aconselhou a ir tomando essas cápsulas em jejum. Mas tbm uso o Puran. E lhe avisei disso… Tomara que um não corte o efeito do outro… Abs

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