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Aposentadoria e saúde

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No consultório, trabalho principalmente com medicina preventiva – campo no qual se insere tanto a geriatria quanto a nutrologia. Sou o médico que, após escutar o paciente, examiná-lo, solicitá-lo e interpretar seus exames complementares, tem por missão motivá-lo a mudar seu estilo de vida, caso seja necessário. Qualquer um que lide com esse tipo de abordagem sabe o quanto pode ser complicado modificar hábitos que perduram por décadas.

Em mais de 90% dos casos, os pacientes, ao perceberem que começarei a falar sobre uma mudança de hábitos, como experimentar caminhadas ou musculação, por exemplo, adiantam-se de uma maneira extremamente rápida e logo escuto um “não tenho tempo”. Ele emana inconscientemente da boca dos pacientes; é automático, e vem seguido, geralmente, por uma lista com diversas atividades diárias; rotinas que envolvem famílias; metas ou, até mesmo, alguns deles mencionam suas dívidas.

Os pacientes costumam ser bastante convincentes em mostrar que realmente lhes falta tempo. Em algumas vezes, os mais persuasivos, tentam quase que me fazer pedir desculpas por ter ousado sugerir algo que conturbasse ainda mais suas agendas fartamente preenchidas.

Falta de tempo.

Então, acompanhando essa linha de pensamento: se a falta de tempo é a grande razão pela qual as pessoas são impossibilitadas de adotar um estilo de vida saudável, com as possibilidades da aposentadoria, quando terão maior disponibilidade, elas, automaticamente ganhariam mais saúde? Com a aposentadoria essas pessoas começariam a fazer musculação, hidroginástica ou longas caminhadas? Ou mesmo pilates? É isso que acontece?

Não. Isso está bem longe de acontecer. Apenas alguns poucos passam a aproveitar seu tempo para cuidar da saúde. Para a grande maioria dos aposentados, essa nova fase da vida está muito distante de ser um sinônimo de saúde. Aliás, perceba nos próximos parágrafos que, na verdade, o contrário costuma prevalecer.

Hoje, a quantidade de adultos na meia-idade com uns quilos a mais e mesmo com o diagnóstico de obesidade é assustador – lembrando que mais da metade dos brasileiros está acima do peso. Uma pergunta que faço é: será que, ao se aposentarem, eles conseguirão diminuir o estresse que os empurra diretamente para exageros alimentares? Deixarão de comer em restaurantes e passarão a desfrutar de refeições feitas em casa, ou seja, mais saudáveis?

Nada disso costuma acontecer. A aposentadoria, diferente do que muitos esperam, mostra-se como um fator de risco para aumento de peso. Para quem entra nessa fase da vida já com aqueles quilos a mais, o ganho de peso é ainda maior; o mesmo valendo para quem não pratica exercícios físicos. Cabe lembrar que, durante a meia-idade, aí me voltando para quem tem um risco ainda maior de engordar na aposentadoria – as mulheres – é quando toma lugar um fenômeno biológico associado a dificuldades de adaptação hormonal: a menopausa. É claro que não são todas as mulheres que ganham peso após a menopausa, mas são muitas que as que o fazem. Ao somar essas dificuldades hormonais com uma mudança na vida profissional, os riscos para a balança e a fita métrica tornarem-se inimigas ainda mais cruéis são maiores.

Nessa mesma linha, um levantamento com quase quatro mil aposentados mostrou que mulheres com profissões chamadas de “colarinho azul” – aqui podemos traduzir para “que exigem esforço físico constante” – são mais vulneráveis ao ganho ponderal: risco 58 % maior.  No entanto, os homens não ficam atrás nesse ganho de peso: aqueles que desempenham mesmo tipo de função também apresentam ganho ponderal – em torno de 30% quando comparado àqueles que não se aposentam. Até mesmo quem praticou exercício físico regularmente, durante décadas, corre esse risco: segundo pesquisa do exército americano, militares ganham, em média, dois quilos no primeiro ano sem vestir a farda.

Outra doença que costuma aumentar nos aposentados é a depressão. É verdade. Definitivamente a aposentadoria não faz com que pessoas tristes, com níveis altíssimos de estresse ou totalmente insatisfeitas com a vida, reergam-se e consigam subitamente mudar esse cenário. Uma pesquisa de 2013, realizada na Inglaterra, avaliou 9.000 pessoas entre os 50 e 70 anos. E concluiu que o simples fato de se aposentar aumentou em 40% o risco de desenvolvimento da depressão.

No consultório (Você lembra que, lá no começo, falei que costumo diagnosticar os pacientes com “aposentadoria fracassada”?), percebo claramente a associação entre erros no planejamento com transtornos de humor, em especial formas leves ou maiores de depressão. São pacientes para quem, muitas vezes, o antidepressivo não ajuda tanto porque não se trata exclusivamente de um problema “químico”, mas sim de problemas existenciais que se perpetuam e acabam por alterar o funcionamento cerebral. Tristeza, falta de motivação, diminuição no prazer nas atividades do dia a dia, alterações em sono ou apetite, prejuízos na capacidade de atenção, sentimentos de culpa ou de inutilidade excessivos, pessimismo, isolamento social; enfim, são as formas como a depressão pode se manifestar. Acredito que nada disso está nos seus planos para desfrutar a aposentadoria, porém, como vimos, é um risco que deve ser considerado e diminuído ao máximo!

 

Também relacionada à saúde mental, outra doença que pode acompanhar os pacientes com depressão e, especialmente, ansiedade, é o alcoolismo. Mesmo sendo relativamente negligenciada pelos médicos, trata-se de uma condição que acomete 17% dos homens idosos. A aposentadoria pode duplicar o risco de dependência ou abuso de álcool em homens que, ao longo da vida, tiveram problemas em lidar com a bebida. Engana-se, porém, quem acha que se trata de uma condição exclusiva do sexo masculino; há um crescente nas estatísticas também entre mulheres. No Reino Unido, esse aumento foi de 65% nos últimos cinco anos.

Através de estudos observacionais, foram identificados riscos para o desenvolvimento do alcoolismo após a aposentadoria:

*  problemas prévios com bebidas alcoólicas;

* viuvez recente;

*  diagnosticados com depressão;

*  solidão ou isolamento social;

*  presença de tédio e sentimento de inutilidade;

*  histórico de alcoolismo na família;

*  problemas financeiros;

*  frustração e culpa em relação ao preparo para aposentadoria.

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Continuando a falar sobre aposentadoria e problemas de saúde, veja a imagem acima: temos, à esquerda, um cérebro de uma pessoa que foi acometida pela doença de Alzheimer; à direita, sem a doença.

Como assim? Só falta me dizer que se aposentar leva à doença de Alzheimer.

Vai me dizer que se aposentar dá Alzheimer também?

Quase isso. Estudo feito na França, publicado em 2013, acompanhou 420 mil trabalhadores. O objetivo dos pesquisadores era investigar o impacto da aposentadoria no desempenho cognitivo desses trabalhadores – para tal, os acompanharam e foram atrás daqueles que tiveram o diagnóstico da doença de Alzheimer. Os resultados foram surpreendentes. Ao comparar quem se aposentava aos 60 em relação àqueles que o faziam aos 65 anos, descobriu-se que os últimos tiveram um risco 34% menor de desenvolver Alzheimer.

Ou seja, esses cinco anos a mais de trabalho, mantendo as pessoas ativas profissionalmente, ao invés de resultar em mais cansaço ou desgaste cerebral, conseguiram tornar os cérebros dos participantes ainda mais ávidos, mais saudáveis.

As pesquisas que comprovam o quanto a aposentadoria pode ser prejudicial à saúde são inúmeras e bastante convincentes. Outra que me chamou bastante atenção envolve as doenças cardiovasculares. Essa pesquisa foi feita pela Universidade de Harvard, publicada em 2012, e investigou 5.400 adultos com mais de 50 anos. Eles foram acompanhados ao longo de uma década. Quais impactos da aposentadoria? Aumento em 40% no risco de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (derrame). E o risco foi ainda maior no primeiro ano após a aposentadoria, sendo 55% maior em relação aos adultos da mesma idade que permaneciam trabalhando.

Outra pesquisa, dessa vez feita na Coréia do Sul, agora de 2014, encontrou riscos cardiovasculares ainda maiores em quem se aposenta. Ao analisarem 4.000 trabalhadores por seis anos, aqueles que se aposentaram tiveram 6,2 vezes maior risco para acidente vascular cerebral e 2,7 vezes para infarto do miocárdio quando comparados com aqueles que permaneceram trabalhando. Assim, como no estudo americano, percebe-se que os primeiros anos após a aposentadoria são extremamente perigosos ao sistema cardiovascular, devido ao estresse e picos de pressão arterial.

O ruim é que justamente quando a pessoa acredita que vai passar a curtir a vida, viajar pelo Brasil todo, aproveitar os netos, há esse risco maior para morte repentina ou de ter sua saúde seriamente abalada. Resumindo, a aposentadoria pode, sim, causar prejuízos à saúde indo, desde o ganho de peso, passando por quadros de depressão, diminuição das capacidades cognitivas e até mesmo precipitar um infarto.

Bom, poderia ficar batendo nessa tecla “aposentadoria e doenças” – que acaba por assustar quem pretende se aposentar – mas quero logo é chegar ao momento de trazer caminhos para que essa associação não lhe pegue desprevenido. Sobre as doenças, para terminar, deixo um alento para quem costuma cuidar bem da saúde: acaba sofrendo mais com os efeitos da aposentadoria quem não costuma cuidar de si ou que já a adentra nela com doenças como obesidade, tabagismo, diabetes ou depressão, por exemplo.

Caso você seja da minoria que cultiva bons hábitos de vida, o segredo é mantê-los! Seus riscos para desenvolver todas essas doenças serão muito menores, e as chances para uma vida com vitalidade, alegria e qualidade serão enormes.

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