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Balanço da Passagem na Gestão da Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo

Encerro a passagem pela gestão da Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo (FSNH) feliz. Tinha, desde o convite do prefeito Luis, certeza que aprenderia muito como profissional e ser humano. E assim sinto que aconteceu. A grande surpresa, porém, foi ter feito amizades e conseguido motivar as pessoas para o trabalho conjunto mesmo em situações e tempos adversos.

É justo e necessário deixar mais uma vez meu agradecimento ao prefeito pela extrema confiança na nomeação e também na manutenção no cargo. Agradeço também pela total autonomia oferecida. Foi, sem dúvida, a maior experiência de trabalho que tive até hoje.

Sobre essa oportunidade, acredito que seja da vida que grandes chances como a que fui brindado costumem surgir em meio a crises. A mudança de presidentes geralmente envolve dificuldade financeira ou colapso de clima organizacional – comigo não seria diferente. O cenário era difícil nesses aspectos e também do ponto de vista político: em poucos meses ocorreria uma das eleições mais incertas dos últimos tempos, com acirramento ideológico, denuncismo e a Internet como um dos principais meios de formação de opinião. E saúde foi a principal pauta decisiva.

Havia também indicativo real de uma primeira greve dos funcionários do Hospital, provável necessidade de redução de serviços à população e, talvez, incapacidade de se honrar com os salários ao longo dos meses. Era o que vinha, e vem, acontecendo com praticamente todos os hospitais públicos ou filantrópicos do estado.

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Sobre a empresa, ela estava tão desacreditada e sem reconhecimento público que, na eleição, dois dos candidatos que estavam na frente nas pesquisas a criticavam com gosto nos debates, ameaçando reduzir o quadro de funcionários pela metade ou até encerrando suas atividades. Chamavam a FSNH de tudo: ineficaz, cabide de emprego, caixa-preta. O que me fez agir com mais intensidade foi perceber que mesmo após ouvir esses absurdos, nem os próprios funcionários ou líderes da empresa saíram em protesto. Parecia que “batiam em cachorro morto”.

E, esse cenário todo, me fez mesmo correr atrás: procurarei artigos de especialistas em gestão de pessoas e administração – simpatizei muito com o que ensina Vicente Falconi -, li sobre marketing institucional e crises e fui a público defender o valor da empresa e das pessoas que nela trabalham. Dediquei a mesma energia que antes depositava em projetos pessoas nessa tarefa de gestão.

De certa maneira, analisando com calma aquele cenário, houve um certo exagero na crítica à FSNH e nos procedimentos adotados. Poderiam, sim, criticar as pessoas na gestão – o que é normal, democrático e, assim sendo, saudável. Há meios de se questionar e, até mesmo, de se judicializar ações contra atos de gestores sem colocar em risco toda uma instituição e seus funcionários. Porém, o que se viu foi praticamente uma ofensiva de parte das lideranças locais contra a estrutura e a própria Fundação. Passei parte significativa desses meses correndo atrás, junto com os competentes advogados da FSNH, de formas e estratégias para recuperar a imagem frente ao judiciário, a entidades de classe e aos sindicatos. Ao invés de fazer gestão e reduzir custos e aumentar receitas, tínhamos que evitar revezes em quase todas essas esferas. Hoje, na tranquilidade de quem encerra um ciclo, como disse, feliz, sei que talvez o objetivo não fosse alvejar a empresa e não se sabia da sua importância para a população. Duvido que entendiam o quanto o clima organizacional de um serviço de saúde de grande porte pode impactar na assistência aos pacientes e na viabilidade de toda a instituição.

Nas primeiras semanas, fiquei abismado com a percepção de que talvez Novo Hamburgo seria uma das poucas cidades que grande parte das pessoas repudiava seu hospital, que é municipal, 100% SUS e filantrópico. Era um tempo confuso e tenso.

Felizmente, corremos atrás dessa missão: de melhora do clima organizacional e das relações políticas e de imagem da empresa.

A gestora anterior, Simone Zucolotto, teve méritos importantes e, através de projetos em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, conseguiu captar recursos significativos tanto para obras e equipamentos quanto para o custeio do Hospital Municipal. Entre 2012 e 2016, por exemplo, houve um crescimento de 285% nos incentivos estaduais e federais para a instituição – graças a projetos e qualificação para a conquista de habilitações. Hoje, cerca de 80 milhões de reais para o custeio do Hospital vêm de fora, não saem dos cofres da Prefeitura.

Em obras, foram conquistados mais de 40 milhões de reais. Destacam-se o recurso para construção de um Anexo com cinco andares e o conjunto de obras da Rede Cegonha (Casa da Gestante, Centro de Parto Normal humanizado e nova UTI neonatal com 25 leitos).

Talvez, um marco de que nem tudo estava sendo feito da maneira inadequada na FSNH foi a participação dos serviços por ela executados na conquista da cidade e da Universidade FEEVALE do Curso de Medicina. O Hospital Municipal foi avaliado e, graças ao conjunto de obras em andamento, será o hospital-escola do curso. Trata-se de um valioso legado para todos e que trará recursos diretos para a instituição na casa dos 10,7 milhões de reais, sendo 10 milhões em obras e 750 mil reais em cursos de capacitação.

No entanto, apesar dos números serem impressionantes e causarem inveja em qualquer município do RS, cresceram a crise interna e as críticas externas à FSNH, com consequente aumento em processos judiciais, pedido de abertura de CPI e forte adoecimento dos funcionários. O atraso em repasses do governo do estado em 2014 e 15, que chegou a somar 18 milhões, acompanhado pela crise econômica dos últimos dois anos, dificultou que se conseguisse resolver os problemas de clima organizacional postos, já que administrar com dívidas desestabiliza qualquer gestor – e imagina num hospital público com quase 300 leitos.

Ao assumir o primeiro cargo como gestor, tentei manter as mesmas características do trabalho como médico clínico, o viés humanista, e colocar em prática aquilo que ministrava nas palestras para profissionais de gestão de pessoas: valorizar o ser humano. Como as ações precisavam ser imediatas, precisei de rapidez no diagnóstico e traçar um rumo para a resolução dos problemas. Para isso, organizei reuniões com os funcionários e a eles apresentei as diretrizes da gestão. Em número de cinco, elas iriam balizar o clima e o trabalho dos mais de 1800 funcionários. Eram elas: diálogo, melhorar o clima organizacional, criar um ambiente pró-criatividade, promover a cooperação e  eficiência. Muito do que aprendi no Pós-MBA em Liderança da UNISINOS foi empregado nesse processo de resgate e de implantação de um ambiente de liderança novo.

Tive dificuldades porque herdei uma equipe diretiva que estava em conflito e eu desconhecia a maior parte dos diretores. Tive dificuldades pela eleição e pelo seu resultado: do começo de outubro até o final de dezembro conseguir motivar diretores, coordenadores e pessoas com cargos de confiança não foi tarefa fácil. Administrar com dívidas também não foi. Em muitos momentos, a capacidade de negociação com fornecedores praticamente se esgotou. Nesse aspecto, contei com a dedicação árdua de dois profissionais, Iran e Fatiane, além da ajuda de todos os envolvidos com compras, contabilidade, tesouraria e almoxarifado.

Passados cinco meses, julgo que, em conjunto com todos os funcionários e em especial com os da diretoria executiva, conseguimos reverter a imagem negativa da FSNH, melhorar o clima organizacional e clarear os processos administrativos e contábeis. O número de atestados médicos apresentados caiu 30%, de 590 para 410 ao mês. A gerência de RH foi sempre considerada como transversal em todas as diretorias e isso foi bem aceito.  Líderes ganharam confiança e conquistaram espaço, sendo alguns reconhecidos por profissionais até mesmo fora da instituição. Conseguimos, mesmo com a expansão no número de funcionários, manter os salários em dia e reduzir de maneira importante o endividamento da empresa, na ordem de 70%.  Da dívida total que chegou a 26 milhões de reais, no dia 2 de janeiro, com a previsão de repasse estadual que deveria ter sido feito no último dia 28, a dívida com fornecedores ficará abaixo dos 10 milhões de reais.

Esse valor representa 7,1% do orçamento previsto para 2017.

Por fim, desde o resultado das urnas, vinha organizando um processo de transição digno e construtivo. Desejava que o próximo gestor conseguisse entender o funcionamento da empresa e, ao identificar os problemas e falhas no que eu vinha propondo, pudesse reconhecer os aspectos positivos e as pessoas que se destacaram no processo de recuperação. Sabia que, por ter uma equipe administrativa reduzida, haveria uma dificuldade em fazer a gestão diária com uma transição como a idealizada. Felizmente, graças à boa vontade e ao interesse da nova diretora-presidente em aderir e propor atividades para que a transição ocorresse bem, posso dizer que os objetivos foram alcançados também nesse aspecto.

Mesmo com o acirramento político dos nossos tempos, a transição da maior empresa pública de Novo Hamburgo, entre um governo do PT e a chegada de um do PSDB, superou qualquer expectativa, sendo reconhecida pela comunidade como exemplar.

Lutou-se e administrou-se a FSNH da melhor maneira possível para que a partir do dia 2 de janeiro o hospital, os 14 postos de Saúde da família – com as 36 equipes -, a UPA, o PA 24 horas, o SAMU, os CAPS, as UBS, o serviço de internação domiciliar, o laboratório, enfim, para que todos os serviços possam funcionar adequadamente.  Mesmo com o fechamento contábil no dia 18, com a crise econômica que surpreendeu e fragilizou municípios e empresas públicas; mesmo com a crise e as ameaças feitas ao SUS, conseguimos deixar a FSNH em pé, com estoques adequados, escalas de profissionais completas e um capital humano qualificado de prontidão.

Erros com certeza foram cometidos e pedi desculpa a muitos. Também deixei tarefas em aberto e outras desejava iniciar. Por isso, e pela transição ter corrido dessa maneira de colaboração, todos os planos que vinha rabiscando estão na mesa da nova presidente e entregarei à prefeita. São mais de vinte ideias que poderão ajudar a todos nos próximos anos.

A Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo é, sem dúvidas, um exemplo concreto de que o modelo de fundação estatal é adequado para o SUS. Qualquer dúvida nesse aspecto, basta analisar o que vem acontecendo em todo o Brasil com os serviços administrados por outras formas de gestão para o SUS.

 

Agradeço aos pacientes do consultório, pois sei que em alguns dias eu lá chegava com a cabeça a mil e provavelmente não conseguia prestar um atendimento como anteriormente e muitos reconheciam isso e, ao invés de reclamar, desejaram sorte e parabenizaram pelo trabalho frente à saúde pública.

Agradeço a todos funcionários que foram meus colegas na FSNH.

E desejo muito sucesso à Cláudia Schenkel, nova diretora-presidente, e sua equipe.

 

Leandro Minozzo

 

Avaliação das Diretrizes de Gestão na FSNH – Agosto a Dezembro de 2016

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Por que um médico procurou um curso de liderança?

A Revolução Necessária no SUS: a Estratégia de Saúde da Família 2.0

 

Resumo da palestra sobre engajamento e saúde em reunião-almoço na ACI de NH:

http://www.leandrominozzo.com.br/saude-e-engajamento-no-trabalho-interfaces-entre-medicina-e-recursos-humanos/

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