Maçã vs Estatina na prevenção primária em pacientes de baixo risco:
eu fico com a maçã.
Pelo jeito, o antigo conselho “an apple a day keeps the doctor away“, hoje ainda presente em alguns adesivos de parachoque, está cada vez mais atual. Pesquisadores da Universidade de Oxford analisaram o impacto do consumo da fruta em comparação com a tomada de algum tipo de estatina em termos de prevenção cardiovascular em pacientes de baixo risco.
Veja os resultados:
- Prescrever uma maça ao dia ou uma estatina para todos acima de 50 anos provavelmente tenha o mesmo efeito na mortalidade vascular;
- 8.500 mortes por doenças cardiovasculares seriam evitadas anualmente caso uma maça fosse consumida ao dia;
- Escolher as maças ao invés das estatinas pode evitar mais de mil casos de miopatia e mais de 12.000 diagnósticos extras de diabetes (hoje sabemos da relação causal entre uso dos medicamentos com a doença).
Há mais ou menos quatro anos, recebi uma ligação. Do outro lado da “linha” estava um familiar, chorando. “Meu médico acabou de me receitar sinvastatina e disse que um amigo dele morreu do coração e tinha o mesmo nível de colesterol do que o meu. E agora?!”. Era uma jovem senhora de 46 anos, com níveis limítrofes de colesterol total, HDL na casa dos 50 e triglicérides normais. Sem história familiar para cardiopatia isquêmica e muito distante de ser diabética. Cigarro? Nunca fumou. Ou seja, baixíssimo risco cardiovascular.
É claro que essa jovem senhora não tomou a medicação e também não voltou ao médico. Indiquei outro. Costumo acompanhar seus exames regularmente – afinal, é minha mãe – todos perfeitos.
Deixo esse alerta. Pensar “fora da caixinha” e testar intervenções no estilo de vida é dever de todo médico, ainda mais se tratando de um conjunto de doenças (cardiovasculares) em que os hábitos chegam a ser responsáveis por 80% do casos. Sei que em 15 minutos de consulta pode sim ser difícil entrar nesses aspectos, e eles exigem, entre outras capacidades, paciência e competências conversacionais do médico. A prescrição de uma medicação “protetora” pode, ao contrário do que se pretende, reforçar positivamente o mau comportamento do paciente. “Continue assim, aliás se quiser mudar de estilo de vida, mude. Porém use essa medicação que ela protegerá teu coração.” Não vem dando certo. Pesquisas mostram que esse tipo de paciente, ao receber essas orientações, engordam – quem usa estatina acaba ingerindo mais calorias.
Se não bastasse esse erro “tático”, hoje é difícil ignorar os riscos aos quais se expõe um paciente ao prescrever estatina como prevenção primária. Está cada vez mais definida a associação causal entre o uso da classe com o surgimento de diabetes. (1)
Por outro lado, há uma definitiva indicação da prescrição de estatinas em pacientes que sofreram infarto do miocárdio ou um acidente vascular cerebral (derrame), além de outras condições específicas. Sabe-se que nesses casos – na prevenção secundária – elas diminuem riscos.
Engana-se quem usa o pragmatismo para contrariar meus argumentos, pois, assim como os pacientes são “desobedientes” em termos de dieta e exercícios, também são ao tomar medicamentos: estudos mostram que metade dos pacientes deixam de usar estatinas após um ano. (2)
A prescrição da maça é também simbólica. Ela representa toda a alternativa de pensar a vida do paciente como um todo, de realmente valorizar a prevenção de doenças e ajustes necessários.
É possível.
“An apple a day keeps the doctor away” perde a rima ao ser traduzido. Mas o sentido fica preservado com uma adaptaçãozinha: uma maça por dia mantém a emergência vazia.
Um abraço, Leandro Minozzo
(*) Parece que minha mãe tem um pouco de má sorte com alguns médicos. Certa vez consultou com um ortopedista da região metropolitana de Porto Alegre. Foi outra ligação aos prantos. Em 3 minutos de consulta ele disparou: “A senhora tem que colocar uma prótese na coluna cervical.” Ela faz academia diariamente e não tem mais dor. Hoje, infelizmente, sabemos do que se tratava. Mas isso é outro assunto.
Referência:
(1)Chogtu B, Magazine R, Bairy KL.Statin use and risk of diabetes mellitus. World J Diabetes. 2015 Mar 15;6(2):352-7.
Olá! Interessante expor que muitas vezes a solução para alguns problemas de saúde pode ser mais simples do que receitar um remédio tradicional. Abs!