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Solidão que Nada

Parece do senso comum. Parece até meio água com açúcar, “papinho” mais do mesmo. Digo isso pensando numa situação na qual me deparo com uma frequência crescente, e da qual minha capacidade de ajuda como médico torna-se limitada. Acredito que centenas ou milhares de profissionais por aí também se incomodem, afinal, os números da solidão disparam em todos os locais. Tudo bem. Levando em consideração as características da nossa sociedade, como a fluidez das relações e a generalizada competição canibal, sabe-se que elas são francamente individualistas e mudar isso não é a questão em si.

O papinho água com açúcar de onde iniciei o relato do que me incomoda, é justamente que não somos feitos para ficarmos ou vivermos sós. Reconheço, como um apreciador de momentos de silêncio e paz,  que às vezes ficar só é sim importante e pode ser bem agradável e produtivo.Sabe-se que a criatividade, por exemplo, costuma brotar de momentos como esses. Porém, a solidão – que é o sentir-se só – e o morar sozinho definitivamente não fazem bem a ninguém. E, falando especificamente sobre pessoas na meia ou terceira idade, isso pode representar um passo muito firme rumo a alguma doença.

Apesar de ser uma condição de certo ponto negligenciada pela medicina, os números da solidão impressionam. Segundo o IBGE, são mais de 3 milhões de idosos morando sozinho no Brasil. Número que representa 14% do total e que vem crescendo nos últimos levantamentos.

Mas por que estou sendo tão enfático nessa relação solidão e doença? A quais riscos, por exemplo, esses milhões de idosos estão expostos simplesmente por não dividir o teto com alguém?

Segundo o levantamento que realizei na última semana, quando li mais de trinta resumos de pesquisas sobre o assunto, a solidão está comprovadamente relacionada a um aumento de mortalidade, à depressão, à piora cognitiva e ao risco de desenvolver doença de Alzheimer, à piora no sistema imunológico, ao estresse e à compulsão alimentar. Além disso, sentir-se só piora e muito a qualidade do sono. O impacto é tão significativo em termos fisiológicos, que há um desequilíbrio no importante eixo hipotálamo-hipófise-adrenal – que é um circuito neuroendócrino que controla principalmente como reagimos a um fato que nos causa estresse, liberando o hormônio cortisol. As pesquisas que estudaram a reatividade desse eixo naquelas pessoas que moram sozinhas constataram que ela é algo excessiva, ou seja, favorece a respostas físicas e psicológicas mais grosseiras, menos planejadas, de menor sociabilidade – isso valendo para todas pessoas de todas as idades! Pesquisadores, ao testar o efeito do hormônio da sociabilidade, chamado ocitocina, viram que, em pessoas que sofrem de solidão, ele não surte efeitos! Como se o cérebro se tornasse socialmente anestesiado – o que é péssimo!

Já que falei de impactos neurofisiológicos da solidão, a questão da piora nas habilidades cognitivas também chama a atenção, uma vez que é uma queixa frequente em pessoas a partir dos 50 anos e costuma causar preocupação. Assim como os músculos da perna, os neurônios encarregados da socialização (em especial os neurônios espelho) precisam ser exercitados e quando isso não ocorre, além de “atrofiar”, parece que levam todos o resto do cérebro consigo, cusando os prejuízos na memória, concentração e orientação.

Só para deixar registrado, um estudo de acompanhamento de 5 anos feito na Finlândia, com pessoas com mais de 74 anos, mostrou que aquelas com solidão tiveram um risco de mortalidade 33% maior do que as que não apresentaram a queixa no começo da pesquisa. Em termos de saúde, 33% é um risco comparável, ou mesmo maior, a ter pressão alta ou diabetes! Para se ter ideia, uma pesquisa feita na Universidade de Chicago equiparou os danos causados pela solidão aos do hábito de fumar e da obesidade!

Dentro desse levantamento, tive a oportunidade de encontrar artigos onde pesquisadores agiram sobre grupos de idosos que sofriam de solidão. Os resultados não poderiam ser diferentes, todos mostraram acentuada melhora em diversos aspectos de saúde e qualidade de vida. As intervenções variaram desde visitas planejadas, companhia de pets, participação de grupos e atividades religiosas. Pensando bem, muitas até bem simples e nada onerosas… como uma simples visitinha, veja só.

Costumo dizer que não há tarefa mais exigente para nossa mente do que nos relacionarmos bem, do que participarmos de um bom diálogo – excetuando-se, para deixar bem claro, a infrutífera fofoca de vizinhas ou a constante ressonância futebolística. A boa conversa ou o estar presente no meio de dezenas de pessoas é mil vezes mais estimulante para o cérebro do que preencher palavras-cruzadas, ou ler um livro de 300 páginas. Felizmente, agora tenho esses textos que encontrei para defender meu posicionamento com mais ênfase e transformar minha inquietação numa luta… contra a solidão.

Sair de casa, conviver, viajar, frequentar uma aula, participar de grupos.. enfim, não é mais nenhum papinho qualquer, ou do senso comum… virou, sim, uma enfática prescrição médica.

Abraços, Leandro

 

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