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Como Surge a Doença de Alzheimer?

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Olá!

O post de hoje é necessário na medida em que, apesar de muitas informações sobre essa terrível doença, há crescente demanda por maior compreensão sobre como ela se instala.  Ao conhecer tais mecanismos, consegue-se investir em atitudes que os mitiguem, logo, diminuindo os riscos de se adoecer. Vamos lá!

Nas palestras tento deixar bem claro o paralelo entre a doença de Alzheimer e as doenças coronarianas (aquelas causadas pelo entupimento das artérias coronárias no coração, que causam infarto ou insuficiência cardíaca). Todos sabemos que as doenças do coração são resultados do estilo de vida inadequado, como excesso de peso, alimentação inadequada rica em açúcar e gorduras maléficas, tabagismo e estresse. Surpreendentemente, o que muitos não sabem é que o mesmo acontece com a doença de Alzheimer – ela é também uma doença do estilo de vida. Cada vez mais pesquisas comprovam que tudo o que faz mal ao coração também faz mal ao cérebro, causando alterações típicas da doença de Alzheimer.

Logo falaremos sobre o peso da genética, mas posso adiantar que, para a maior parte dos casos, a genética apenas aumenta as chances de a pessoa ter ou não a doença, mas não é o fator decisivo. São os hábitos de vida e o ambiente que determinam se a pessoa terá ou não a doença de Alzheimer.

 

 “A doença de Alzheimer não se pega de uma hora para a outra. É uma doença basicamente do
estilo de vida.”

 Agora, entraremos numa parte importantíssima da nossa conversa. É o momento em que tentarei explicar os principais mecanismos que vão causar a doença de Alzheimer. Compreender esses mecanismos é fundamental para o entendimento dos porquês das atitudes preventivas de que falaremos mais adiante. Entendendo como a doença surge, você mesmo vai saber como reduzir suas chances de ter Alzheimer, e também outras doenças a ela relacionadas. Leia com bastante calma e atenção; se for necessário, releia e faça um resumo numa folha de papel, quem sabe até copiando os conceitos, as imagens ou os gráficos. Se por algum acaso estiver lendo agora na cama e o sono esteja dando as caras, amanhã retome a leitura a partir daqui. Mas não se assuste: por mais complicado que pareça, vamos conseguir.

Começarei explicando brevemente onde se localizam e como funcionam algumas partes do sistema nervoso. Para auxiliar no entendimento, sugiro que você assista a dois vídeos disponíveis no site (www.leandrominozzo.com.br/alzheimer).

A parte do cérebro inicialmente acometida pela doença de Alzheimer se chama hipocampo (do grego significa “cavalo-marinho”). Entre outras funções, essa estrutura cerebral é uma das responsáveis por fixar as novas aprendizagens. Na doença, o hipocampo tem seu volume reduzido, e, como vimos, fazendo com que a pessoa perca a capacidade de aprender coisas novas e apresente dificuldades na memória recente. Com o passar dos anos, a doença vai se espalhando para outras partes do cérebro, e outras funções mentais vão se deteriorando, como a orientação espacial e a velocidade de raciocínio.

 

O sistema nervoso central é formado por dois grupos de células: os neurônios e as células da glia. Basicamente, os neurônios são as células especializadas em realizar a comunicação entre diversos estímulos originados em diferentes partes do corpo até os órgãos que realizam alguma atividade, como, por exemplo, ordenar o movimento e a contração dos músculos do braço para pegar um copo. Já as células da glia, que são formadas por quatro tipos de células, servem principalmente para nutrir os neurônios; participam do sistema de defesa e também os auxiliam a desempenhar suas atividades de condução dos impulsos nervosos. Outra função importante das células da glia é de auxiliar na “limpeza”, ou seja, eliminar substâncias que não são mais úteis e cujo acúmulo num lugar tão importante, como o cérebro, pode ser bastante prejudicial.

Na importante função de transportar informações, o processo de troca de sinais entre um neurônio e outro se chama sinapse. Essa mensagem é transmitida dentro do neurônio por uma “mensagem elétrica” – como se fosse por um fio de eletricidade, mas entre um neurônio e outro essa mensagem passa a ser química. E como um neurônio consegue passar informações para outro? No final do neurônio, ocorre a liberação de mensageiros químicos, que navegam até o próximo neurônio e dão continuidade ao fluxo da informação. São os chamados neurotransmissores, ou, se preferir, mensageiros químicos entre os neurônios.

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Com certeza você já ouviu falar em serotonina, noradrenalina e dopamina – nada mais são do que esses mensageiros. Em algumas doenças, como na depressão e esquizofrenia, ocorre uma desregulação no funcionamento desses neurotransmissores, e os medicamentos para tratar essas doenças atuam justamente sobre eles.

Na doença de Alzheimer, um desses neurotransmissores está especialmente em falta: a acetilcolina. Ela está envolvida nos processos de aprendizagem e de atenção. Para se ter uma ideia da relação da acetilcolina com a doença, alguns dos medicamentos de que dispomos atualmente para tratar a doença tentam justamente aumentar os níveis desse tipo de neurotransmissor nas sinapses. Em contrapartida, ao se usar medicamentos que diminuem os níveis de acetilcolina, que são chamados anticolinérgicos, causamos queixas de esquecimento e confusão mental nos pacientes.

Ao tentar entender o que acontece no cérebro, é interessante que se saiba que cada parte possui suas funções mais ou menos estabelecidas. Na parte anterior do cérebro, encontram-se estruturas responsáveis pelo comportamento e planejamento de atitudes. Na parte posterior, encontra-se a responsável pela visão. A memória, por ser uma função mental bastante complexa, acaba envolvendo diversas estruturas. Para que se facilite o entendimento, vamos direcionar o alvo das lesões onde ela primeiro se instala, que é o cavalo-marinho, de que falamos antes, cientificamente chamado de hipocampo. Relembrando, os primeiros sinais da doença surgem aqui.

Outro conceito útil no entendimento de como funciona o encéfalo é ele ser dividido em substância branca e substância cinzenta. Isso é bem simples de entender: os núcleos dos neurônios (onde estão as estruturas que organizam seu funcionamento) ficam localizados na substância cinzenta, enquanto as partes dos neurônios que servem para levar a informação entre diferentes partes do cérebro formam a substância branca. Chama-se substância branca devido à coloração branca da gordura que envolver os axônios – mielina. As lesões na substância branca geralmente são causadas por dificuldades no sistema de circulação sanguínea, provocadas por diabetes, pressão alta, problemas de colesterol entre outros. Essas lesões, aos poucos, vão tornando o tráfego de informações entre as partes do cérebro mais lento. São bastante comuns tanto na doença de Alzheimer, quanto nas demências chamadas vascular e mista – dois outros tipos de demências também bastante frequentes.

É importante destacarmos alguns aspectos sobre como os nutrientes chegam até os neurônios e as células da glia. Basicamente, qualquer célula do corpo necessita de glicose e oxigênio para funcionar. O sistema circulatório, formado por coração, artérias e veias é o responsável pela tarefa de ofertar esses nutrientes constantemente a todas as partes do corpo. O sistema nervoso, em especial o encéfalo, necessita de um funcionamento quase perfeito do sistema circulatório, pois os neurônios são grandes consumidores de glicose. Um exemplo disso é o estado mental em que a pessoa fica quando os níveis de açúcar estão baixos (como acontece em pessoas diabéticas que usam insulina, mas esquecem de se alimentar, sendo, então, acometidas pela hipoglicemia). Elas ficam lentas, confusas, tontas e não conseguem pensar direito. Tudo causado pela diminuição momentânea de fornecimento de glicose para os neurônios.

Estima-se que, mesmo pesando apenas 2% do total do corpo, o cérebro recebe 15% do volume bombeado pelo coração, consome 20% do total de oxigênio e 25% do total de glicose. Ou seja, proporcionalmente se trata da parte do nosso corpo que mais demanda oxigênio e glicose, logo, que mais demanda energia para funcionar.

Para que essa nutrição seja bem realizada, chegando a todas as partes do cérebro, as artérias cerebrais se ramificam em vasos sanguíneos ao ponto de ficarem microscópicas, invisíveis a olho nu. O grande problema é que esses vasos são muito sensíveis à elevação da pressão arterial, aos danos causados pelo diabetes e ao excesso de colesterol. É interessante dizer que a parte interna dos vasos sanguíneos, chamada de endotélio, é extremamente reativa a alterações na saúde do organismo. Seria como se as células que formam a parte interna desses vasos detectassem algumas situações e reagissem a elas, como o excesso de açúcar ou estresse. Essas células são capazes de liberar substâncias para aumentar o tamanho, dilatar os vasos sanguíneos ou para que sua parede se torne mais espessa, causando um “endurecimento” prejudicial.

É no endotélio também que se formam as famosas placas de gordura, que prejudicam a boa circulação e que podem se romper, causando obstruções e áreas de isquemia – que é a morte de neurônios pela falta de oxigênio e glicose. Dependemos muito da saúde dos vasos sanguíneos e do nosso endotélio; no sistema nervoso, essa dependência, como vimos, é ainda maior. Essa relação entre quadros de perdas cognitivas anormais com o envelhecimento e a saúde dos pequenos vasos sanguíneos está longe de ser novidade. O próprio Dr. Alois Alzheimer, em 1898, já dizia que a atrofia cerebral senil (como era denominado um quadro demencial naquela época) estaria relacionada à arteriosclerose, quer dizer, à doença dos pequenos vasos, aqueles que justamente irrigam os neurônios.

Outra característica do sistema circulatório no sistema nervoso e sua relação com a doença de Alzheimer é que existe uma barreira de proteção entre o nosso sangue e o interior do sistema nervoso. Ela impede que substâncias nocivas ou micro-oganismos que por algum acaso estejam na nossa corrente sanguínea se instalem em regiões de alta complexidade, como é o cérebro. Na doença de Alzheimer, acredita-se que essa barreira sofra algumas alterações, facilitando que agentes agressores tenham mais acesso ao sistema nervoso, ao mesmo tempo impedindo que substâncias protetoras consigam adentrar.

Fechando, por enquanto, esse assunto de circulação do sistema nervoso, há um fenômeno muito interessante que vai fazer você entender o quanto a saúde dos vasos sanguíneos tem relação com a doença de Alzheimer. Em algumas pesquisas, feitas em estudos de ultrassonografia das artérias cerebrais, observou-se que nas pessoas com a doença, há uma circulação maior de minúsculos trombos (como rolhas formadas por elementos de coagulação do sangue chamados de plaquetas) dentro desses vasos. Esses trombos são resultado de problemas de má circulação cerebral, desregulação do endotélio e dificuldade do próprio organismo de evitar sua formação. Uma pesquisa publicada em 2012, constatou que em pacientes com a doença de Alzheimer há uma maior formação de coágulos às custas de menores níveis de fibrinogênio e de outras substâncias que previnem sua formação.

Esses pequenos coágulos e trombos conseguem, muitas vezes, obstruir os vasos sanguíneos, causando a morte de neurônios. É como se minúsculos e imperceptíveis derrames fossem acontecendo ao longo de anos. Em pessoas que fumam, ou que tenham diabetes não controlado, a quantidade desses trombos é maior.

Falando sobre cérebro e como funcionam suas estruturas, durante a faculdade aconteceu uma situação bastante embaraçosa. Estava passando pelo estágio de radiologia. Eu e meus colegas ficávamos durante as manhãs vendo os radiologistas e os médicos residentes discutirem exames complexos, como tomografias e ressonâncias magnéticas. Lá pelas tantas, o professor – bastante conceituado, um senhor de cabelos brancos, com mais ou menos 70 anos, colocou no negatoscópio (aquela tela iluminada para ver os filmes dos exames de radiologia) um exame de ressonância magnética de um encéfalo. Antes mesmo de o professor tecer qualquer comentário, um médico residente afoito falou, referindo-se ao exame: “Ih, esse aí tá encrencado! Já quase nem tem mais cérebro!” Após um silêncio de poucos segundos, o professor respondeu: “Esse exame é meu! Essa é a minha cabeça!”. Novamente, o silêncio tomou lugar por alguns instantes e tanto o professor quanto o residente, cada qual com o seu constrangimento particular, sumiram da sala.

Realmente o exame mostrava uma redução no volume cerebral. Não era uma imagem normal quando comparada a de um jovem de 30 anos. Porém, não apresentava qualquer outra alteração grosseira quando analisado pela faixa etária.

Estaria mesmo o professor “encrencado”? E como explicar o fato de ele estar no auge da sua capacidade mental, sendo chefe do serviço e requisitado palestrante com um cérebro de tamanho reduzido?

Nos últimos anos, um conceito chamado plasticidade neuronal, ou neuroplasticidade, vem revolucionando a forma de compreendermos o funcionamento da mente e as doenças neurológicas. Até há não muito tempo, acreditava-se que era impossível que um adulto conseguisse criar novos neurônios ou que eles alterassem suas formas de uma maneira a funcionarem com maior eficiência. No entanto, hoje sabemos que algumas partes do cérebro conseguem produzir novos neurônios e realizar adaptações inteligentíssimas. Uma das partes onde isso mais acontece é no nosso conhecido cavalo-marinho, o hipocampo – praticamente nossa máquina registradora de memória. O hipocampo saudável é, então, um local dinâmico, onde neurônios estão constantemente criando conexões.

 

E quanto à perda de neurônios?

Ao longo das décadas, vamos sim perdendo neurônios. Porém, os remanescentes em algumas regiões conseguem criar novas comunicações com neurônios vizinhos, tornando-se, de certo modo, mais eficientes. Essa capacidade adaptativa é uma dádiva e explica como aquele reduzido cérebro do professor consegue ser tão eficiente. Mesmo apresentando uma redução no volume cerebral e na quantidade de neurônios, aqueles presentes no cérebro do professor foram estimulados ao longo de décadas, criaram novas sinapses e passaram a se comunicar muito melhor entre si. Além disso, com o passar dos anos, utilizamos mais partes do cérebro para realizar determinadas funções, otimizando o desempenho cognitivo. Tudo isso graças à neuroplasticidade; lembre-se disso.

Porém, ela, a neuroplasticidade, necessita que estejamos saudáveis e que estimulemos as diversas partes do cérebro. Existem substâncias que favorecem essa adaptação das células neuronais; são as chamadas neurotrofinas. Uma das mais importantes neurotrofinas é o BDNF (que significa fator neurotrófico derivado do cérebro). Em doenças como a depressão, por exemplo, esse BDNF está diminuído no cérebro, reduzindo a capacidade de adaptação dos neurônios. Como veremos, há diversas formas de mantermos essas substâncias em níveis adequados e possibilitarmos que nossos neurônios consigam se adaptar e garantir um funcionamento cerebral adequado.

Em breve, continuo com mais detalhes sobre a instalação da doença!

Grande abraço, Leandro Minozzo

 

Trecho do livro: “Doença de Alzheimer: Como se Prevenir” (2013)

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