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Uma Definição de Espiritualidade

“Um sopro da vida” é das definições mais comuns e a encontramos ao visitar a origem da palavra, que do latim, spiritus, significa sopro ou respiração.

Um sopro que remete ao movimento, capaz de nos retirar do peso das coisas materiais e de sua limitada esterilidade. Que tenta afastar da prisão daquelas coisas que não nos pertencem e das quais não deveríamos nós, tão únicos, pertencermos.

Enquanto sopro ou vento, a espiritualidade é uma potência motriz que faz girar a humanidade na vida. Força capaz de levar e de trazer. Capaz de afastar as nuvens, abrindo espaço para a luz do sol indicar um recomeço.

Spiritus enquanto respiração faz lembrar do movimento e da troca necessários para a vida. Remete à nutrição e à renovação do sangue. Reforça a importância do agora, do senso de presença, colocando o passado e o futuro em seus devidos lugares. Essa presença espiritual, assim como é a respiração, deve ser permanente. De comum, elas não necessitam de uma ordem, ou de um comando consciente – são próprias da nossa condição de vida. No entanto, assim como na respiração, podemos parar e perceber esse movimento energizante que é a espiritualidade; e, na maioria das vezes, tal qual na respiração, podemos controlar seu ritmo, sua profundidade, e usá-la para acalmar estados de ansiedade, de angústia.

Mas também podemos nos abster desse controle, verificando uma mente desconectada e confusa e uma respiração curta, descompassada, apertada.

A respiração é uma troca constante, marcada pelo dinamismo. Há nela a internalização da natureza, de tudo que nos envolve, na forma de oxigênio. Em contrapartida há retirada do excesso de dióxido de carbono, uma das sobras do metabolismo de nossas células. Trata-se de um processo muito meticuloso e delicado, um dos nossos milagres da fisiologia. Podemos dizer que a respiração renova e revitaliza o sangue e nos conecta diretamente com o meio ambiente, com o todo.

Nessa analogia, a espiritualidade e a respiração nutrem o ser com o invisível:  o oxigênio, a humanidade e a divindidade. Retiram as sobras, que em excesso impedem a vida. Juntas proporcionam que tenhamos vitalidade física e espiritual, transcendente.  Esse é o sopro da vida. Sopro que remete ao Prana, que segundo uma das filosofias indianas, é justamente a força vital em forma do ar.

 

Prefiro dizer que a espiritualidade é o sopro do divino dentro de nós. E em Gênesis 2:7 temos justamente que Deus inspirou no homem o sopro para a vida e, assim, ele se tornou um ser vivente.

Desde então, quanto mais espiritualizado é o ser humano, mais ele deixa esse movimento tocar-lhe, transitar por seu corpo/mente e flui através de boas palavras e, o mais importante, de boas ações. Não há elevação espiritual sem que as reflexões e as descobertas deixem de se transformar em atitudes, em realidade. A espiritualidade, enquanto sopro divino, edifica virtudes e, em especial, a do cuidado.

Para os yogues, a espiritualidade é a viagem de descoberta do “eu interior”, do eu divino. Num status de elevação,  ela pode ser caracterizada pela fluidez energética que transita pelos chakras, chamada Kundalini, que percorre toda a coluna e ascendendo espiritualmente o ser humano.

Ela pode ser o que os povos da África austral chamam de Ubuntu, que reforça a conexão de cada indivíduo com os demais, “eu sou porque somos”, uma das suas definições. Isso, também é espiritualidade.

Ela também pode ser constituinte da própria divindade, como o Amor Total, ou o Espírito Santo, para os cristãos. Paráclito, que é outra denominação para o Espírito Santo, pode ser definido como: “aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor na corte.” “o que convoca. O que liberta” e “ é ser chamado para o lado de alguém”. – Enfim, a espiritualidade perfeita, atitudinal, ou Amor Total!

Ainda bem que, tal como o ar abundante, ainda temos os elementos indispensáveis para manter a vitalidade através da espiritualidade.  E os temos com certeza.

Lembro que o sistema respiratório, desde o nariz, é capaz de purificar, aquecer e umidificar o ar que chega aos diminutos alvéolos pulmonares – mesmo em ambientes repletos de poluição. Mesmo em altitudes, com ar rarefeito ele permite a troca de gases entre o ar e o sangue, garantindo a vida.

Temos também essa capacidade espiritual de tratar os pensamentos e as emoções. Partículas de medo, raiva, ódio, inveja, vingança, pessimismo e vaidade podem ser inaladas ou podem estar em excesso em nosso corpo. Porém temos como não deixá-las se tornarem os nutrientes pelos quais as células do nosso ser se habituem.

Digo isso, das capacidades do ser humano em evoluir espiritualmente, porque a cada descoberta sobre as funções de conexões e regiões específicas do sistema nervoso, mais se reconhece que ele é dotado de estruturas para contrabalancear os efeitos nocivos de pensamentos pessimistas e de emoções negativas, como raiva, medo, ódio. Temos como evitar e nos livrarmos da famosa ruminação de pensamentos ruins e daquele senso-crítico autodestrutivo e desagregadores.

Há regiões responsáveis pela empatia, por exemplo. E quando falo em sistema nervoso, eu falo em capacidades e estruturas humanas! Não falo de simples cérebros, isolados, em mesas de laboratório, sendo manipulados pesquisadores ou de simples imagens em computadores. Falo de competências reais e acessíveis, minhas, tuas, de seus familiares, de todos nós.

Os chamados neurônios-espelho, por exemplo, nos permitem perceber e sentir o que os irmãos passam, sendo símbolo de uma existência relacionada à reflexão, à consideração, à ponderação, à atitude, ou seja, uma existência verdadeiramente espiritual.

Podemos preservar e evoluir nossa espiritualidade para que literalmente detectemos excessos, para que compreendemo-nos enquanto humanos passíveis de erros e para agrupar forças e continuarmos nossa caminhada.

E ser perseverante nessa atitude espiritual é vital.

Sobre as emoções positivas, que são competências, posso chamar assim, para que evoluamos enquanto seres humanos e sociedade, elas não conseguem prevalecer quando há excesso de emoções negativas e a prática espiritual é que possibilita suas vitórias nessa disputa por espaço. Costumo dizer que as emoções positivas, o amor, o perdão, a compaixão e a esperança, são como cata-ventos. E a energia que os movimenta é spiritus, a prática espiritual.

Às vezes, prendemo-nos em diversas circunstâncias na vida. E acredito que a espiritualidade seja também para liberdade, tal qual o vento na natureza. Às vezes nos surpreendemos e questionamos como certas pessoas suportam grandes privações.  Não seria, por acaso, esse vento que nelas habita o que as liberta?

Foi a prática da espiritualidade que manteve Nelson Mandela livre, mesmo nos seus 27 anos de prisão física. Tornou-se mais gentil e mais compassivo. Somente essa evolução conseguiu guiá-lo pelo sentimento de perdão, que foi a única alternativa que poderia evitar ainda mais sofrimento após sua libertação e chegada ao poder.

É a espiritualidade elevada que percebemos em viúvas e viúvos que conseguem tocar sua vida a diante mesmo após a perda de um companheiro de 50, 70 anos. É a espiritualidade que permite à maioria dos pacientes com câncer não entrar em desespero. Vejam o quanto são valentes e ousados, o quanto são espiritualizados.

E sendo vento divino, a espiritualidade pode ser forte vendaval, que nos tira da inércia,  ou mesmo uma suave brisa. Sendo divino, pode soprar onde quiser e para todos. Pode espalhar sementes, criar correntezas nas águas, mover nuvens e também confortar. Se as brisas amenizam as temperaturas no litoral, o sopro divino em nós não teria essa capacidade?

Engana-se quem acredita que espiritualidade seja simples sinônimo de paz. De silêncio, porém, tal qual a inspiração profunda, a espiritualidade se ressente. Não de isolamento dos outros, mas do mínimo de espaço que só o silêncio pode proporcionar para uma conversa sem distração, para que se consiga ouvir as palavras mais sinceras.

Orações, rezas, momentos de reflexão e outras formas de meditação são silenciosas. Podem ser também momentos de breve isolamento.

Digo novamente que espiritualidade nem sempre é paz. A serenidade espiritual vem muitas vezes de intensa inquietude, de questionamentos avassaladores. Ela é, por natureza, um diálogo constante. É a reflexão sobre si, sobre a vida, sobre as relações com os outros. É a construção de conexões e de encontro com pontos que pedem a simples aceitação. É a busca pacienciosa pelo autoconhecimento emancipador.  Ao encontro com um eu genuíno, capaz de cuidar e ser cuidado. A tranqüilidade costuma, sim, vir com sua evolução.

Espiritualidade é a gratidão constante, o amor livre, o perdão sincero.

É reconhecer o humano, em si e nos outros, e o divino, em tudo. É aceitar e conseguir conectar-se ao todo.

É serenidade e inquietação. É a sabedoria não como resultado, mas como fortaleza em ir a extremos e retornar mais inteiro. Sabedoria em praticá-la frequentemente.

É a existência, Ek-sistere, destacada pelo filósofo Martin Heiddegger, que significa sair para o mundo. É perceber propósito no caminho e no cotidiano. Imperativo existencial para Sócrates e para o Dr. Viktor Frankl, criador da terapia do sentido da vida. É exclusivamente pela prática espiritual que nos aproximaremos do sentido de nossas vidas em cada momento.

Até mesmo no temido vazio existencial, a espiritualidade, enquanto sopro, tem o poder de reaninar, de trazer energia para a vida.

E preciso falar de uma das manifestações mais importantes da evolução espiritual: a alegria. Acredito que ao encontrar a si mesmo e algum sentido transcendente, a alegria passa a visitar o ser humano com mais freqüência. Logo mais falarei dos frutos do Espírito Santo, ou de uma espiritualidade divina. Antecipo que a alegria é um deles.

Pergunto: poderia haver uma evolução espiritual sem alegria?

Espiritualidade para mim tem muito de atitudes, realizar a evolução em atos é fundamental, mas não podemos nos esquecer é da alegria. E hoje, carecemos de alegria, de risadas, de leveza.

Por outro lado, espiritualidade é refletir sobre e aceitar a vida, não se assustando em definitivo com a morte. Há quem consiga evoluir espiritualmente justamente ao pensar mais na morte. Tendo-a como guia. Pensadores, como Michel Montaigne, afirmavam que filosofar (uma das formas de prática espiritual a meu ver) é aprender a morrer.  Particularmente, não penso tanto na morte, provavelmente por ser ainda muito jovem ou ter limitada percepção das coisas da vida.

Lembro que a espiritualidade está presente em todas as religiões e há grande semelhança em seus dogmas centrais. Reverência a Deus, fé, perdão, compaixão e amor. Todas as maiores religiões, a sua maneira, reforçam a importância de seguir a Regra de Ouro. Fazer ao próximo o que gostaria que fizesse a si próprio. Não fazer ao outro o que não gostaria que a ti fizessem. Essa regra é, por instigar a reflexão e a consideração, pura espiritualidade. E olha que interessante, da Regra de Ouro se desenvolveram sociedades e o nosso Direito, nossa forma de organização enquanto concidadãos.

Por outro lado, há muita espiritualidade sem religião, chamada de secular. E ela tem crescido em todo mundo. Há também aquela que não reconhece Deus. Pesquisas mostram que, em muitos países, há intensa prática espiritual a despeito de reduzida religiosidade. E os resultados mostram que nem sempre se encontram resultados sociais de elevada espiritualidade quando é alta a religiosidade. Olha só que importante: nem sempre freqüentar uma religião ou se dizer religioso significa que espiritualmente se evoluiu ou que socialmente se percebem sinais de engrandecimento.

Lembrando que independente de estar relacionada ou não às religiões, a espiritualidade se efetiva é com as atitudes. Ela tem muito de “mental”, mas é no ato que ela se realiza e eterniza.

Quando envolvemos Deus na espiritualidade, por outro lado, aproximamos mais facilmente o humano ao entendimento do amor. Fica mais compreensível para nós porque somos seres com capacidade de reverência e, sobretudo, de amor. Nesse caso, por exemplo, amar ao próximo como a si mesmo é mensagem que bate e fica, que se encaixa em nossos corações.

Elevada ao nível coletivo, ela desenvolve a ética e a moral. Ela leva à justiça, à justa medida, à equidade. Não é objeto dessa fala, mas há argumentos coerentes de que foi a evolução espiritual que ajudou o homem a organizar-se em sociedade. E falo de ética sendo a do cuidado, não adaptações feitas sob medida, ricas de falsos-moralismos e de hipocrisia. A espiritualidade permite o crescimento ético e moral sustentado e baseado no amor e respeito ao próximo.

Acredito que palavras não conseguirão explicar definitivamente o que seja espiritualidade e apontar todos os seus desdobramentos. Poderia falar de espiritualidade e saúde, e amor, e natureza, e economia, e sexualidade, e política, por que não? Afinal, ela é parte da nossa natureza individual e coletiva.

Tentativas de definições continuarão a surgir.

Fiz esse esboço para chamar todos a uma reflexão sobre o que é para si e o que poderia ser para si a espiritualidade.

Escolho, por último, o que Leonardo Boff diz: “a espiritualidade é fonte de inspiração do novo, de geração de sentido pleno e de potencialização das capacidades do ser humano.” Em outro texto, Boff diz que “Se espírito é relação e vida, seu oposto não é matéria e corpo mas a morte como ausência de relação. Nesta acepção, espiritualidade é toda atitude e atividade que favorece a expansão da vida, a relação consciente, a comunhão aberta, a subjetividade profunda e a transcendência como modo de ser, sempre disposto a novas experiências e a novos conhecimentos.” (Leonardo Boff, 2012)

Ela é a conexão com Deus, com Deus em nós, nos outros e na natureza. Espiritualidade é o poder (a capacidade) e o praticar (uma ação consciente) do amor ao próximo e a si mesmo, com gratidão e alegria.

No Salmo 1:3, diz-se que a espiritualidade “há de tornar-se qual árvore plantada junto a correntes de água, que dá seu fruto na sua estação e cuja folhagem não murcha, e tudo o que [ela] fizer será bem sucedido.”

Na Epístola aos Gálatas 5 (22:23), São Paulo traz quais seriam os frutos do Espírito Santo, ou seja, da espiritualidade divina: caridade, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança e alegria.

São frutos dos quais todos necessitamos.

A prática espiritual exige silêncio, constância e abertura mental e cordial. Exige um espaço vital.

 

Um grande abraço, Minozzo

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