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Caminhos para a compaixão e autocompaixão

No último post, falei brevemente sobre a relação entre a compaixão e sua variante individual – a autocompaixão – com felicidade e saúde. Justifiquei o interesse que me lançou a esse estudo, que passa pelo amadurecimento do atendimento clínico e pela percepção dos rumos pelos quais a medicina tende a seguir. A meu ver, essa guinada é quem sabe a única chance dos médicos clínicos não serem trocados pela inteligência artificial nas próximas décadas – mas sobre esse risco eu falo outro dia.

Inicialmente, quando se fala em desenvolver competência, ou no caso dar chance para emoções positivas, faz-se necessário estabelecer a real variabilidade de fatores intrínsecos. No caso da compaixão, há questões verdadeiramente enraizadas na essência de cada um e no conjunto de vivências acumuladas.

A ciência identificou algumas das regiões cerebrais e determinados neurotransmissores envolvidos nas sensações de empatia que mediam a atitude em relação ao outro e a si próprio. Há mais de duas décadas, por exemplo, sabemos dos chamados neurônios-espelho, ativados quando se experimenta o sofrimento de outra pessoa e que conectam circuitos neuronais relacionados à emoção e à função executiva. No aspecto químico, pesquisa-se muito sobre o papel do hormônio ocitocina na empatia. Os indícios são fortes e testes já estão sendo feitos, porém, na ocitocina, há um grau de complexidade ainda longe de ser compreendida. Quanto à genética dos receptores desse hormônio,  chegou-se a determinadas variações que podem explicar uma pessoa exercer mais ou menos compaixão. Também já se sabe que o mesmo mecanismo de recompensa, aquele que envolve clássicas vias dopaminérgicas, relacionado ao prazer em comportamentos como jogo, sexo e alimentação – além da dependência química –  impacta de alguma forma na nossa possibilidade (abertura) à compaixão. Certas pessoas podem, sim, sentirem-se melhor ao experimentar essa emoção, logo, tê-la com mais frequência em seu cotidiano ou usá-la com mais facilidade em momentos difíceis.

Percebo que as pesquisas em neurociências, em comportamento e no estudo da psicologia positiva têm reafirmado muitos dos ensinamentos expostos milenarmente por religiões e pelas práticas preventivas e curativas, como a yoga.

Ao me preparar para uma recente atividade sobre o tema, analisei os índices remissivos de dez livros de medicina, nas áreas de geriatria, psiquiatria e medicina de família. Busquei a palavra compaixão e nada encontrei. Há um atraso, ou talvez um fechamento, para o lado espiritual do humano. Posso dizer, sendo um médico jovem e que mantém contato com o que há de recente da ciência, que ainda não se reconhece o papel da compaixão na gênese  e na apresentação sintomática das doenças e, o que lamento, consequentemente há toda uma lacuna sobre como usá-la nos processos de cura e prevenção.

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A esperança vem de alguns grupos de médicos e psicólogos ao redor do mundo. E também em centros de vanguarda, como a Universidade de Stanford. Eles estão experimentando, utilizando-se dos critérios estabelecidos pela ciência, os efeitos do treinamento da compaixão e da prática da meditação com a orientação para a compaixão em tratamentos para pessoas com doenças diversas. Creio que em poucos anos, menos de uma década bastante otimista, haverá a incorporação dessa fundamental emoção positiva por parte da medicina e, em especial, da psiquiatria e psicologia, juntamente com algumas estratégias para seu desenvolvimento já cientificamente testadas.

Até que se chegue lá, analisar os ensinamentos de outros campos do conhecimento, revisitar a história e mergulhar no conhecimento do humano pode antecipar muitos caminhos para o despertar da compaixão e da autocompaixão em cada um de nós ou nos ambientes de trabalho. Há muito conhecimento e muita sabedoria espalhados nos quatro cantos do mundo, em todos idiomas e em todas as religiões e práticas de espiritualidade.

Tentarei, se as atividades me permitirem, fazer escrever mais textos mostrando como aumentar o conhecimento sobre a compaixão e também desenvolver essa competência. Os profissionais já acostumados a ajudar os outros a se desenvolverem (professores, por exemplo) sabem o que significa competência e entendem que é algo distante do apenas saber que existe ou de compreender o significado: envolve conhecer e conseguir aplicar.  A compaixão, sendo sustentada por dois pilares – empatia e ação –, exige para si a classificação como competência porque nela a prática, a execução de algo, é elemento fundamental. O despertar da compaixão e da autocompaixão sempre envolverá uma atitude identificável, um marco de experimentação. Ajudar um amigo, acolher alguém com dor ou fome ou perdoar são exemplos desses marcos como a parte de ação da compaixão.

Cabe, por último, reforçar que essa emoção difere-se e muito do sentimento de pena, de dó e mesmo da empatia em si. Ela envolverá sempre uma ação resultante de um momento de identificação, ou seja, de reconhecimento de um estado psicológico no outro e consequente ação para aliviar o sofrimento ou até dividir uma alegria. Sem ação, os sentimentos de julgamento em relação ao outro não se caracterizam como compaixão e, dessa forma, não trarão os benefícios elencados para saúde e felicidade.

Aliás, há quem veja os sentimentos de pena e dó como nocivos a quem os sente ou sendo indicativos de um distanciamento da condição humana. A pena também pode estar associada à negação do poder de transformação no outro. Sei que pode ser, à primeira vista, um tanto radical esse entendimento, porém há nele um gancho interessante para a reflexão. Digo isso por causa do excesso de pena e dó que sentimos e manifestamos no cotidiano. Muitas vezes, confundimos isso com compaixão, e não é.

Deixo agora caminhos para desenvolver a compaixão e a autocompaixão.

Espero, sinceramente, que esse texto e essas orientações te ajudem a ser uma PESSOA e a considerar os outros também dessa forma.

  • Conhecer e aceitar a natureza humana (começando por si próprio)
  • Buscar o autoconhecimento e experimentar emoções
  • Aproximar-se de pessoas que necessitam de compaixão em aspectos básicos da vida
  • Começar com pequenos gestos
  • Controlar e diminuir o sentimento de pena
  • Usar técnicas da terapia da revisão de vida
  • Aproximar-se da arte
  • Reconhecer que os outros têm sua trajetória
  • Praticar a espiritualidade e/ou a religiosidade
  • Reduzir a carga de estresse
  • Praticar yoga e meditação orientada para compaixão
  • Procurar ajuda com psicoterapeuta
  • Lembrar que todos fomos crianças e que, tomara, seremos idosos
  • Diminuir e controlar o senso crítico e a emissão de opiniões e julgamentos incisivas
  • Não ter medo de ter autocompaixão – ela não prejudicará sua performance jamais!
  • Tenha por você o mesmo cuidado que seu melhor amigo teria

 

São formas de aumentar a sabedoria e deixar florescer todo nosso potencial verdadeiramente humano.

Nossos tempos são tumultuados. Sei disso. Parece não haver espaço para uma vida e uma rotina mais espiritualizada. Porém, pretendo mostrar em outros textos, viver assim tem se mostrado o caminho da humanidade para superar crises e para evoluir.

Um grande abraço,

Leandro Minozzo

 

 

 

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