O problema pode ser sério e está espalhado por aí de uma maneira impressionante – pelo menos um em cada cinco brasileiros tem essa queixa. Não chega a ser uma questão de vida ou morte, mas incomoda, e muito. Refiro-me aos gases – quase sempre acompanhados de inchaço abdominal, borborigmos (aqueles sons embaraçosos vindos da barriga) e desconforto, que pode ser dor do tipo cólica. Quem apresenta esse quadro sabe do que estou falando, e de como a vida poderia ser bem melhor sem esses sintomas.
No consultório, quando recebo os pacientes com os exames, corro logo para ver o resultado do teste de intolerância à lactose. Em outros casos, vou direto para os anticorpos ou resultado da biópsia de duodeno quando suspeito da doença celíaca. Não que eu queira que os pacientes tenham essas duas condições, só que o que fazer quando todos esses exames vêm com resultados negativos? O que fazer com os gases? O que resta investigar? Será então a síndrome do intestino irritável, logo devo entrar com medicações para aliviar a dor e parar por ai? Indicar dieta com fibras, pouco álcool, pouca cafeína e gordura, além de prescrever probióticos? O artigo no qual me lanço trata justamente sobre esses casos e nele abordarei uma conduta para reduzir ou acabar com os gases e o inchaço: a estratégia FODMAP.
Curiosamente, um achado comum nesses pacientes é a restrição que possuem a determinados alimentos, sendo os principais deles o feijão, o brócolis, o pimentão e a lentilha. Eles relatam que quase imediatamente ao consumi-los, apresentam os sintomas digestivos do começo do texto. Logo, fica evidente que essas pessoas não conseguem digeri-los adequadamente, sofrendo efeitos de sua fermentação dentro dos intestinos. Acredito que essa foi a pista inicial para pesquisadores australianos, em especial Sue Shepherd, debruçarem-se sobre a composição de determinados alimentos e tentar identificar quais causam sintomas. O nome da abordagem – FODMAP – é um acrônimo para um conjunto de carboidratos osmóticos que podem ser de difícil digestão para algumas pessoas (“fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols”) – veja a tabela abaixo com uma lista resumida.
Outro detalhe importante, em especial para colegas médicos e nutricionistas, é que alguns desses carboidratos, como as fructanas e a rafinose são digeridos por bactérias da flora intestinal e, caso ela não se encontre em equilíbrio – condição chamada de disbiose –, os sintomas prevalecerão sempre. A flora intestinal é alvo frequente de pesquisas envolvendo não só aspectos digestivos, mas aquelesrelacionados ao sistema imunológico e à obesidade. A prescrição de probióticos e prebióticos é crescente e encontra espaço em casos de distensão, diarreia e constipação. Por último, colegas, como essas queixas guardam relação com o sobrepeso e obesidade, preparem-se para trata-las no dia-a-dia, pois serão cada vez mais frequentes! Quem sofre com os gases não necessariamente apresenta intolerância a todos os carboidratos FODMAP, podendo, em grande parte dos casos, ter dificuldade com um ou dois tipos. É comum, no entanto, a intolerância combinada à lactose e à frutose, assim como ocorre com quando da doença celíaca, quando muitos pacientes não toleram o glúten e a lactose simultaneamente– mais de 30% dos celíacos também não consegue digerir a lactose.
Voltando aos FODMAP’s, agora falando sobre a frutose, há problemas tanto na sua quantidade quanto na relação à de glicose: mesmo alimentos não tão ricos em frutose podem causar sintomas quando a relação está aumentada (maior que um) – é o caso da manga, por exemplo, que apresenta 3 gramas de frutose por 100 g (o que não tão elevado), porém a relação frutose/glicose é de 3,1.
Para muitos leitores, acredito que essa questão FODMAP soe como uma novidade, porém, há pesquisas que a embasam cientificamente há pelo menos 15 anos e, com as recentes publicações em revistas indexadas de nutrição e gastroenterologia, o assunto ganha relevância. Os resultados do benefício de uma dieta com baixo FODMAP são, com o perdão do exagero da palavra, extraordinários em pacientes com a síndrome do intestino irritável – até 74% de redução nos sintomas. Agora, em 2015, diversas revisões científicas sobre a dieta foram publicadas. Destaco a meta-análise do European Journal of Nutrition, que analisou seis ensaios clínicos randomizados e 16 outros estudos com diferente metodologia. A revisão comprovou as estatísticas iniciais dos benefícios da abordagem no tratamento de sintomas da SII, ou seja, redução de dor e borborigmos na casa dos 80%.
E quais seriam as explicações para esses resultados surpreendentes? Hoje, através da análise fecal de pacientes submetidos à dieta com restrição de FODMAP, sabemos que ela altera a flora intestinal, reduzindo a quantidade de bactérias produtoras de butirato. Ainda há muito a ser elucidado, porém, na vigência de uma limitação que nós médicos temos em resolver ou amenizar esses sintomas, um teste com restrição desses carboidratos fermentáveis pode ser uma oportuna escolha.
Ressalto que essa síndrome é uma condição de prevalência significante – mais de 15% da população adulta – e ainda carece de recomendações nutricionais específicas, ficando o tratamento focado na redução dos sintomas, nem sempre às causas. Nela, acredita-se que o paciente acometido tenha a percepção da distensão intestinal alterada, ou seja, tolera menos o excesso de gazes, que no caso, pode ser causado pela intolerância aos carboidratos fermentáveis da lista.
Em dissertação defendida em 2013, na USP, o feijão foi indicado como um dos alimentos que mais deflagrou crises em pacientes com a síndrome do cólon irritável.
E como é a estratégia FODMAP? Não é fácil. Na verdade, ela exige muita disciplina! Nela, retiram-se da dieta todos os alimentos contidos numa grande lista. É claro, outra grande lista de alimentos permitidos também é oferecida! Orienta-se o paciente a seguir com a dieta de baixo FODMAP por 4 a 6 semanas, logo, “desafios alimentares” são feitos com a introdução dos mesmos por grupos e em baixa quantidade. Inicia-se por frutose, lactose, sorbitol e manitol. Após, continua-se com fructanas e GOS (rafinose). Deve-se tentar aumentar as quantidades de cada grupo até a tolerância máxima, isso porque como você pode constatar na tabela, a maioria dos alimentos ricos em FODMAP é muito saudável, apresentando efeitos benéficos também para a digestão – pelo efeito prebióticos e quantidade de fibras.
Cabe reforçar: a dieta de baixo FODMAP é prescrita temporariamente, até que os alimentos gatilhos sejam identificados! Isso porque a carga prebiótica da dieta é baixa, o que pode levar a quadros de constipação e disbiose caso ela seja mantida por muito tempo.
Existem outras condições que ainda estão sendo estudadas e que estão relacionadas aos sintomas, como a intolerância ao glúten na ausência da doença celíaca e a dificuldade na digestão de algumas substâncias como a cafeína. Quanto à condição de intolerância ao glúten na ausência de testes confirmatórios para a doença celíaca, há grande possibilidade da intolerância de base ser exclusiva ao trigo – não ao glúten! A intolerância ao glúten não celíaca, seria na verdade um tipo de intolerância FODMAP. Impressiono-me com a quantidade de estudos nessa área e a “fermentação” do tema nutrição e saúde intestinal na medicina. Existem pistas, porém ainda muitas incertezas e algumas desconfianças – como é normal com qualquer “novidade” na área da saúde. Os artigos científicos mais recentes, porém, apontam uma tendência pró-dieta com baixo FODMAP e deixam sempre claro que há a necessidade de ir cada vez mais a fundo em pesquisas com essa abordagem.
Trazendo para o campo das soluções, além da identificação e retirada dos carboidratos que causam os gases, alguns recursos terapêuticos podem ajudar. No caso dos GOS (rafinose), há a opção de alfa-galactosidade no mercado brasileiro (Digeliv, do Laboratório Apsen) – até há pouco tempo era necessário adquirir nos Estados Unidos (Beano). Há também uma infinidade de probióticos nas prateleiras de farmácias e supermercados, que podem ser bastante úteis.
Lembrando sempre que ninguém deve começar uma dieta restritiva ou tratamento por conta própria. Procure sempre um profissional para orientá-lo.
Bom, espero ter dado esperanças para os leitores que sofrem diariamente com os gases, inchaço e cólicas, ah! e com os borborigmos. Quem sabe, com essas informações, algum leitor até se aventure a encarar uma boa feijoada sem medo.
Abraços,
Leandro Minozzo – Nutrólogo e Clínico Geral CREMERS 32053
Saiba mais em:
Gibson PR, Shepherd SJ. Evidence-based dietary management of functional gastrointestinal symptoms: The FODMAP approach. J Gastroenterol Hepatol. 2010 Feb;25(2):252-8.
Fedewa A, Rao SS. Dietary Fructose Intolerance, Fructan Intolerance and FODMAPs. Curr Gastroenterol Rep. 2014 Jan;16(1):370.
Halmos EP, Power VA, Shepherd SJ, Gibson PR, Muir JG. A Diet Low in FODMAPs Reduces Symptoms of Irritable Bowel Syndrome. Gastroenterology. 2014 Jan;146(1):67-75.e5.
Olá doutor, eu tenho uma dúvida sobre o alho, ele é indicado como excelente antibacteriano e antifúngico mas ao mesmo tempo deve ser retirado da dieta fodmap. Se a origem do meu problema com for hiper crescimento bacteriano no intestino, eu devo acrescentar alho à alimentação ou retirar seguir a fodmap e retirar o alho? obrigada
Gostei e achei muito interessante os temas abordados
VERDADE, BOA PERGUNTA Pamylla Oliveira
Boa tarde.Tenho Sindrome do Intestino Irritavel.Penso em fazer a dieta paleo low carb.Posso comer gorduras tipo manteiga,óleo de côco,etc?
Olá, estou fazendo tratamento com o DigeLiv e o Lactosil, isto porque depois de sofrer muitas crises de dores abdominais e no estômago (pois tbm tenho gastrite nodular) fiz o teste de intolerância à lactose que deu positivo, de H.Pilory deu em nada.
O médico então me receitou a usar esses produtos quando for ingerir leite e derivados, e alimentos de difícil digestão com a galactosidase.
Estranhei um pouco, pq pensei: só isso?!? E está me ajudando muito, faço maior esforço em evitar esses alimentos e fico testando pra saber qual o meu nível de tolerância. Ás vezes sinto desconfortos, mas consigo identificar mais fácil o que me fez passar mal.
Queria dizer que seu artigo explicou bem, objetivo e cientifico. Acompanharei.
Olá Dr. Leandro! Gostei muito do seu post sobre esse assusto. Acabo de fazer um exame coproscopia e deu disbiose de fermentação e não estou digerindo bem os amidos. No meu caso seria indicado esse tipo de dieta e o uso da beta-galac? Obrigada!
por favor quais sao as contra indicaçoes do digeliv ? obrigado
Você pode indicar um médico em S. Paulo ?
Depois de passar por diversos , um deles chegou a citar que minha mãe não me educou a sentar no “piniquinho”qdo eu era bebê. Somente qdo pedi a um desses médicos que considerasse a hipótese de ser intolerante a “alguma coisa” que fui diagnosticada por intolerancia à lactose. Não fui orientada sobre ao uso da lactase nas refeições , fui descobrindo sozinha. A prescrição médica foi usar Resolor para alívo da constipação que ainda uso. O despreparo e desconhecimento dos médicos é grande!… Porém meus sintomas permanecem, cólicas ,flatulência, CONSTIPAÇÃO, sensação de plenitude gástrica , etc. Quanto mais verduras e frutas ingiro, na tentativa de melhorar a constipação, piora os meus sintomas. Gostaria de me consultar com um médico para descartar a hipótese de ser intolerante a rafinose. Já fiz as provas reumáticas que foram todas negativas .Sou menopausada.
Se puder me ajudar, orientar e/ou indicar um profissional ,ficarei agradecida.
Saudações !
Excelente publiciação. Quando falo com os medicos que cafe me faz mal dizem que nao tem relação alguma com os meus sintomas,gostei de ver que alguem entende. e fico feliz de ter esclarecido sobre isso . Situaçao muito dificil.Só quem passa por isso entende. Parabens pela informaçoes, Atraves delas com certeza está ajudando a muitos. Obrigada
Olá Dr., hoje tive um problema, comi apenas feijão no almoço e me senti muito mal, como já sou intolerante ao leite, fiquei imaginando se poderia existir alguém intolerante ao feijão. O seu artigo me ajudou nesse sentido, obrigada, vou procurar um médico.
Estava lendo um artigo sobre “Food Sensitivities” em um blog que sigo, e ao me deparar com estava sigla que nem sabia que existia cheguei a este seu artigo.
Talvez há pessoas que passem por isso e não sabem. Parabéns pelo artigo!!
Olá Dr. Leandro
Sua matéria é muito esclarecedora, tenho um bebê de 10 meses que grita de dor dia e noite sem que os médicos encontrem a causa, já foram feitos muitos exames e nada encontrado, descobrimos a alergia a muitos alimentos e muitos outros que causam as dores e alteração nas fezes. Infelizmente é muito difícil encontrar um médico que adimita que possa ser algo que ele desconhece, isso torna nossa busca por tratamento muito mais difícil, recentemente a gastro me sugeriu que poderia ter ligação com intolerância aos alimentos FODMAPs, gostaria de saber se nessa tabela acima se encontra todos os alimentos os se existe uma tabela completa? Coincidentemente todos os alimentos que descobri fazer mal ao meu bebê estão na lista dos que deveriam ser evitados, todos descobertos de forma lenta e dolorosa. Se houver essa tabela, poderia dispor ela aqui? Ou me orientar onde posso consegui la? Muito obrigada.