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Gabriel García Márquez, Alzheimer e Neuroplasticidade

Não seria certo a inteligência e a cultura nos protegerem dessa doença?

Na recente cobertura da morte do escritor Gabriel García Márquez, pouco se comentou sobre seu diagnóstico de Doença de Alzheimer. “Era portador de demência” – foi o máximo que captei num telejornal. Aproveitando para esclarecer, a Doença é um tipo de demência, havendo também outros, como demência vascular, mista, por corpos de Lewy e frontotemporal. Os noticiários e declarações familiares já davam conta desse diagnóstico há pelo menos sete anos. Eles ressaltaram também o falecimento do irmão e da mãe com o mesmo quadro.

É de se pensar: como pode um homem tão inteligente, protagonista da cultura, que passou a vida lidando com a criatividade, ter a mente acometida por tão nefasta doença intelectual? Se a demência de Alzheimer obedecesse a uma lógica, com certeza, nenhum ganhador do prêmio Nobel dela padeceria. O que se sabe, porém, é que são diversos os fatores de risco e tantos outros de proteção, num relação bastante complexa. O que consigo explicar é que o fato de ser culto e ter se mantido um escritor na ativa mesmo após os setenta anos com certeza o protegeram de um diagnóstico mais precoce.  Isso porque é comprovada a existência de uma “poupança intelectual”, chamada de reserva cognitiva. Quanto maior a quantidade de estímulos ao longo da vida, maior é essa poupança e mais tardio é o surgimento dos sintomas do Alzheimer, mesmo com a presença das lesões cerebrais que a caracterizam.

A notícia boa desse texto é que as pesquisas apontam diversos tipos de investimentos intelectuais que se somam ao conceito de reserva cognitiva. Não são apenas os anos de educação formal que contam. Felizmente, horas de lazer, dança, viagens, jardinagem, leitura, hobbies, estudo de idiomas e, mesmo, uso de computador entram nessa poupança.

E como a ciência explica esse conceito?  Sabe-se que os neurônios respondem aos estímulos ao longo da vida, criando novas conexões e, até mesmo, multiplicando-se em determinadas regiões do cérebro – entra elas uma das mais importantes para a memória, os hipocampos.  A esse fenômeno de adaptação neuronal damos o nome de neuroplasticidade cerebral. Lembro que tudo isso é potencializado pela alimentação adequada, noites de sono reparador e, principalmente, atividade e exercício físico.  Pode parecer papo de médico, mas se tem provas contundentes que a prática regular de exercício físico aumenta os níveis de um dos “fermentos” para a neuroplasticidade, o BDNF.

Mas voltando ao escritor colombiano e à sua terra natal. Por lá, existe uma família portadora de uma variação genética no gene da presenelina 1. E o que acontece com seus membros aos aproximarem-se dos cinquenta anos de vida? Começam a ficar extremamente esquecidos, com o que chamam de la bobera.  Hoje, pesquisadores e a indústria farmacêutica estão analisando de perto essa família, testando medicamentos a fim de descobrir formas de prevenir ou retardar o surgimento desses casos precoces da doença de Alzheimer.

Aqui no Brasil, o que me preocupa não são casos genéticos, como os dessa família colombiana. Fico extremamente preocupado com o aumento nos número de casos de pessoas com Alzheimer porque a reserva cognitiva de nossos idosos é baixíssima: a média de anos de escolaridade é de 4 anos e a quantidade de livros lidos é baixíssima.

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