1) Quando as aparências enganam. O fato de ser magro não significa que a pessoa seja saudável. Nem o fato de a pessoa ser gorda significa que não seja saudável. A pessoa pode ser magra, com IMC bom, mas ainda assim pode ter doenças que seriam de pessoas acima do peso. Ou o contrário: a pessoa pode ser gorda, acima do IMC ideal, e não ter doenças. Este raciocínio procede?
Procede parcialmente. Pessoas magras podem apresentar doenças que comumente atribuímos ao excesso de peso, como alterações glicêmicas e nos triglicérides. O ponto discutível se dá pelo mito do obeso saudável ou obeso metabolicamente saudável. E existem motivos que levaram a essa discussão, ou podemos chamar de mal entendido. Um deles é cultural, veja só: apenas em 2013 que a Associação Médica Americana classificou a obesidade como uma doença – isso em medicina é bastante recente, mesmo já havendo evidências da relação “obesidade e doença” há 70 anos.
Outro motivo que levantou a hipótese do obeso saudável foi o tipo de abordagem realizada por médicos. Se eu peço alguns exames e eles estão bons, não quer dizer que o paciente está saudável. Recentemente, pesquisas em células de gordura de obesos metabolicamente saudáveis mostram que eles apresentam sim alterações genéticas.
Outras pesquisas, que acompanham as pessoas ao longo de décadas, mostram que é questão de tempo para que as doenças surjam.
Saúde é algo muito mais amplo, envolve disposição, energia e também prevenção de doenças – e sabemos hoje, sem qualquer sombra de dúvidas, que a obesidade está relacionada à muitas doenças – diabetes, cardiopatias, hipertensão, mais de 10 tipos de tumores malignos e até mesmo Alzheimer.
2) Para se ter saúde, o que deve se observar além do peso?
Energia, disposição, bem-estar mental, hábitos preventivos e que não exponham a pessoa a riscos iminentes. Saúde é um movimento do sujeito para fora e si, resultado de um equilíbrio do corpo, mente, vida social e espiritual. Saúde deixou de ser a simples ausência de doença já há algumas décadas.
Nesse panorama, eu posso estar muito bem em vários desses aspectos e estar acima do peso – mas isso não basta para negar o impacto da obesidade.
3) Quem é mais saudável: um magro sedentário ou um gordo ativo?
Uma análise dessas é complicada, porque depende do grau de obesidade e do grau de sedentarismo. Temos que ver sempre a questão da composição corporal, da quantidade de massa muscular. Existem, no entanto, muitas pesquisas, a maioria aponta vantagens para os gordos que se exercitam.
4) É possível ser um gordo saudável?
Eu diria que é possível ser o máximo de saudável possível dentro das limitações impostas pela obesidade. Bato um pouco o pé nisso para mostrar que sempre vale a pena tentar recuperar o bem-estar e emagrecer.
5) Estar acima do peso significa algum problema de saúde?
Sim, e isso não vale só para a obesidade: pesquisas apontam que o sobrepeso por si só já impacta negativamente na saúde. Estudos apontam que o sobrepeso aumenta em 24% risco para morte prematura por problemas do coração. Há aumento do risco para diabetes, hipertensão, câncer, demências, doenças do joelho e coluna e também transtornos psiquiátricos – em especial depressão e ansiedade. Recentemente, comprovou-se que a obesidade está relacionada à síndrome da apneia do sono e também à redução do hormônio testosterona em homens, causando um tipo “andropausa” chamado MOSH.
6) Além do peso, com o que a pessoa acima do peso deve se preocupar?
Alerto sempre para o cuidado com um “patrimônio” que temos chamado massa muscular. Não adianta ficar fazendo dietas malucas, ciclando o peso e perdendo músculo. Digo isso porque são os músculos esqueléticos os nossos grandes gastadores de energia, produtores e estimuladores de hormônios importantes. Por isso, sempre é importante considerar a perda de peso em equilíbrio com a manutenção da massa muscular.
7) Quais são os indicadores, além do peso, que são importantes e devem ser observados permanentemente?
A circunferência abdominal é um indicador simples e que traz informações importantes. Para quem tem acesso, exames de composição corporal, como bioimpedância ou DEXA podem ser úteis na avaliação da perda de peso ou mesmo no ganho de massa magra.
Eu abordo os pacientes mais numa visão integrada e costumo verificar a relação com a comida como um marcador importante no tratamento. Controlando a compulsão alimentar, os resultados costumam ser mais definitivos. Por isso, peço anotações, registros alimentares, tarefas mesmo.
Não podemos estimular a crença no mito do obeso saudável. Isso pode ser prejudicial em termos de saúde pública. Hoje temos 1 em cada 4 mulheres brasileiras obesas e um crescimento alarmante de obesidade infantil e na adolescência.
Há o movimento, em especial nos Estados Unidos, de defesa ou de resgate da autoestima dos obesos. Entendo que devemos sempre primar pelo respeito e não estimular bullying – essas coisas. Mas o problema da obesidade se tornou tão insolúvel e as pessoas já estão aceitando e tomando essa briga como perdida.
Gosto sempre de mostrar os efeitos positivos de se tentar mudar de vida.
Repórter: Marcelo Monteiro – Caderno Vida – Zero Hora
Janeiro/2017