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O sopro da vida: espiritualidade e saúde

Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras. (Oração da Serenidade)

O dia-a-dia do consultório, onde atendo principalmente pessoas com mais de 50 anos, tem comprovado muito do que leio em artigos científicos sobre espiritualidade e saúde. Esses textos, cada vez mais numerosos, apontam que na terceira idade questões espirituais, vinculadas ou não a perspectivas religiosas, estão presentes intensamente. E, é isso, justamente isso, que percebo. Parece que questões transcendentais vão tomando lugar com o passar dos anos, substituindo tensões egocêntricas. Deus, gratidão, perdão e, especialmente, o pensar no próximo são assuntos frequentes em consultas onde uma conversa mais ampla acontece. Na maioria das vezes, percebo que os pacientes têm consigo essa temática como se represada em seu íntimo. E que a qualquer rachadura na barragem, a qualquer abertura dada, ela transborda, com a fluidez de ser própria, ou por ser algo de bom que se carrega e se quer anunciar. Infelizmente, fomos educados para não acreditar na validade ou importância de qualquer aspecto relacionado ao espiritual, como se isso não existisse, só servisse para nos enganarmos, fugirmos de problemas mundanos. O pior, ao se vincular espiritualidade a religião, se cai naquela máxima de que “religião não se discute”. Porém, falar a respeito, compreender, aprender… expandir horizontes, não tem necessariamente a ver com “discutir”.

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Falando nisso, cabe aqui ressaltar o que provavelmente você já saiba muito bem, que espiritualidade e religião estão longe de ser sinônimos. São diferentes. Religião envolve dogmas, doutrinas, regras. Pode-se seguir ou não uma religião. Já espiritualidade tem a ver com emoções positivas, como gratidão, amor e compaixão, com o curso da vida e o da humanidade. Isso, não se escolhe seguir: todos temos espiritualidade em nós – inclusive os ateus. Claro que existem graus, níveis de espiritualidade. Espiritualidade vem do latim spiritus, significando “sopro”, em referência ao sopro da vida. Envolve a capacidade de se maravilhar, de reverência e gratidão pela vida. É a habilidade de ver o sagrado nos fatos comuns, de sentir a pujança da vida, de ter consciência de uma dimensão transcendente, que leva em consideração o próprio ser, os outros, a natureza e a vida. (Elkins, 1999)

No campo da Ciência, trazendo para o lado da Medicina, esse afastamento entre espiritualidade e o ser humano me parece sem lógica alguma. Felizmente, nos últimos anos, parece que esse absurdo vem sendo corrigido, e milhares de estudos vêm abordando cientificamente aspectos espirituais. Como médico, tento pelo menos dar essa abertura para que questões relacionadas à espiritualidade, e mesmo a práticas religiosas, sejam relatadas. Muitas vezes acontece do paciente recatadamente perguntar qual a minha religião, como se fosse necessária uma permissão minha para manifestar suas crenças – tamanho é o tabu que o tema representa. Permissão sempre dada. A primeira vez que me dediquei a pesquisar sobre a relação entre saúde e espiritualidade foi quando preparava uma palestra para um grupo de casais católicos, que chamam de ECC (Encontro de Casais com Cristo). Longe de querer agradar ao padre na plateia, queria reforçar aquele tipo de atividade como positiva, como saudável. Afinal, eles se encontram semanalmente, com finalidades sociais, educativas e de ajudar a comunidade. Senti que era sim necessário dar parabéns e incentivar que continuassem a se encontrar, ao mesmo tempo em que via espaço para mostrar o quanto aquela socialização tinha relação positiva com a saúde de cada um deles. Fui atrás de livros e pesquisas na internet. Em meio a dezenas de textos que inicialmente encontrei, destacou-se um psiquiatra chamado Harold Koenig, autor de mais de 25 pesquisas sobre o assunto. Tamanha a dedicação do pesquisador, descobri que ele é diretor do Centro para Estudos da Religião, Espiritualidade e Saúde da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Entre essas pesquisas, uma me chamou bastante atenção. Diz respeito ao papel da prática religiosa ao influenciar o sistema imunológico, ou seja, as defesas do organismo. Ao coletar exames de sangue de 4 mil idosos, Koenig contatou que aqueles que frequentavam regularmente a igreja tinham um sistema imunológico mais forte do que aqueles que não tinham hábitos religiosos.

downloadCom certeza, pode-se tentar descobrir possíveis erros de interpretação nesse tipo de pesquisa, porém o volume de estudos me parece indicar que eles têm sim uma mensagem muito importante para deixar. Saindo um pouco da perspectiva religiosa, li recentemente o livro “Fé: Evidências Científicas”, do também psiquiatra norte-americano, professor da Universidade de Harvard, George Vaillant. Um dos maiores estudiosos do desenvolvimento humano e do envelhecimento bem-sucedido, Vaillant chefiou durante 35 anos um dos maiores estudos em andamento no planeta. Trata-se de um acompanhamento, que já dura mais de 60 anos, de centenas de pessoas nos Estados Unidos, desde sua adolescência. Busca-se com essa pesquisa, entender o que determina um envelhecimento bem-sucedido e saudável. A experiência em chefiar esse estudo somou-se com a participação de Vaillant em grupos Alcóolatras Anônimos, ao longo de décadas como observador, cabe esclarecer. Para ele, o que consegue demonstrar com diversas evidências científicas, a espiritualidade é enraizada, é parte da nossa natureza humana. Além disso, os benefícios das denominadas emoções positivas coletivas, relacionadas à espiritualidade, trazem diversos benefícios à saúde e ao curso da vida das pessoas. Essas emoções positivas são: amor, esperança, alegria, perdão, compaixão, fé, reverência e gratidão. Quanto àquela analogia de que a espiritualidade se encontraria represada com os pacientes quando procuram seu médico, parece que ela tem sua verdade.

Em pesquisa feita nos Estados Unidos, 77% dos pacientes gostariam que o médico falasse sobre religião e espiritualidade, que oferecesse aquela pequena abertura, para questões tão importantes fluírem. Koenig, em 2004, publicou uma revisão de mais de 500 trabalhos sobre espiritualidade, religiosidade e saúde. Segundo o psiquiatra, o desenvolvimento e a prática nesses domínios relacionou-se a:

  • Menores taxas de depressão e recuperação mais rápida da doença – associação positiva em 60 de 93 estudos;
  • Menores taxas de suicídio – 57 de 68 estudos;
  • Menos ansiedade – 35 de 69 estudos;
  • Menor abuso (uso excessivo) de substâncias – 98 de 120 estudos;
  • Maiores taxas de bem-estar, esperança e otimismo – 91 de 114 estudos;
  • Mais propósito e sentido na vida – 15 de 16 estudos;
  • Maior satisfação matrimonial e estabilidade – 35 de 38 estudos;
  • Maior suporte social – 19 de 20 estudos;
  • Melhor funcionamento do sistema imune – encontrado em 5 de 5 estudos;
  • Menores taxas de morte por câncer – 5 estudos em 7;
  • Menos doença cardíaca ou melhores resultados cardíacos – 7 em 11;
  • Menor pressão arterial – 14 em 23;
  • Colesterol mais baixo – 3 em 3;
  • Menor consumo de cigarros – 23 em 25 trabalhos científicos;
  • Mais exercícios – 3 em 5;
  • Melhor sono – 2 em 2;
  • Pessoas religiosas vivem significantemente mais tempo – 39 em 52 estudos (75%). Incluem-se aí, dois estudos prospectivos (ou seja, de observação de um grupo grande de pessoas a longo prazo) com 23 e 31 anos de duração cada!

Em uma amostra americana de cerca de 20 mil adultos, atribuiu-se ao envolvimento religioso um prolongamento no tempo de vida em torno de sete anos. Imagine, são poucos os medicamentos que conseguem tal façanha. A mim, não cabe explicar os porquês, apenas me esforçar ao máximo para dar voz a essa necessidade dos seres humanos, ainda mais em momentos vulneráveis, de enfrentamento de perdas, dificuldades familiares e doenças.

Espiritualidade faz parte da existência de cada um, e pode, como vimos, ser um caminho iluminado para o bem-estar, a cura e o fortalecimento de cada um.

Um grande abraço,

Leandro Minozzo

(Artigo publicado no livro “Um novo envelhecer: tempo de ser feliz”, que publiquei pela WS Editora, em 2012 – solicite o arquivo pdf do livro completo pela fanpage do facebook)

Ficou interessado, leia essa matéria do The Guardian: http://www.theguardian.com/commentisfree/belief/2012/oct/26/spirituality-health

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3 Comentários

  1. renata hugenthobler

    É verdade, estes estudos provam o que de fato acontece, pois quando estamos inseridos em um grupo social, como o da religião ou igreja que frequentamos, temos metas e propósitos na vida. Então, sentimos que somos parte de um todo, temos amigos, pessoas de quem gostamos e que gostam de nós do jeito que somos nesta fase da vida. Isso é muito bom!

  2. Revdo. Ives Vergara Nunes

    Caro Dr. Leandro,
    Paz e Bem!
    Quero lhe dar os parabéns pelo excelente texto, pois ele nos mostra como a espiritualidade perpassa a vida cotidiana das pessoas, embora muitas nem se deem conta disto e principalmente mostra como a sua prática só tem a acrescentar coisas boas não só para os que a pratica, mas também para todos à sua volta. Estas coisas ditas em tempos de tantas dúvidas e desesperanças no futuro da humanidade, com toda a certeza, nos aninam para que mantenhamos viva a fé e façamos um esforço diário para não nos afastarmos de Deus.

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