Estamos em pleno verão. E, mais um vez, me preocupo com os idosos. Assim como no inverno, nessa época do ano eles ficam vulneráveis a uma série de problemas devido ao envelhecimento fisiológico que os acompanha. Hoje, vou comentar sobre um desses perigos: a desidratação.
Apesar de vivermos numa das regiões mais frias do país – moro em Novo Hamburgo-RS -, verões quentes, abafados e com termômetros acima dos 35ºC não nos causam estranhamento. Lembro que isso acontece também na Europa: lá, as pessoas estão mais preparadas para o frio, porém, de vez em quando, deparam-se com semanas de temperaturas elevadas. Há pouco mais de uma década, uma histórica onda de calor atingiu o continente. Em 2003, os 40ºC perduraram por algumas semanas, ocasionando uma verdadeira tragédia. O resultado foi a morte, de uma maneira nada humana, sem dignidade alguma, de mais de 50 mil pessoas. A falta de dignidade no morrer se deu pela sensação de ser praticamente “cozido vivo”.
Mas quais os motivos de associar nosso verão com aquela onda vivida pelos europeus em 2003?
Justamente os idosos e sua necessidade de cuidado. Naquele episódio, morreram muitos idosos. Não é à toa que o autor Richard Keller, em seu livro “Fatal Isolation” que descreve a catástrofe, o descreve como a maior tragédia natural da história da França. Foram mais de 15 mil mortos; apenas na cidade de Paris, 2 mil faleceram acometidos pelo “cozimento humano”, que em termos médicos encontra sinônimo na desidratação grave e nas consequentes insuficiência renal e arritmia cardíaca.
Diversos levantamentos foram feitos após essa tragédia. Quais eram as características que tornavam um idoso mais vulnerável a morrer por desidratação? Idosos com problemas de locomoção, sem ar-condicionado, com idade acima de 85 anos, mulheres, moradores de bairros com pouca circulação de ar ou muito urbanizados, habitantes de sobrados com telhados baixos e, o mais triste, os que não tinham suporte social adequado – por exemplo: sem filhos que o visitassem no calor, que moravam sozinhas, viúvos. Agravou-se o problema porque a onda de calor ocorreu bem na época das férias, quando os filhos e netos haviam, em sua maioria, viajado, fator que acentuou a solidão dos idosos parisienses.
Também por lá a preocupação térmica se concentrava no frio – como acontece por aqui. Na Europa, o número de idosos é representativo e muitos moram sozinhos.
Existem semelhanças entre as populações e o fenômeno climático, e são muitas. Não podemos esquecer que 13% dos gaúchos são idosos (mais de 1,2 milhão de pessoas) e muitos lares são habitados por casais cujas somas das idades ultrapassam os 150 anos! Desse total, pelo menos 15% moram sozinhos e muitos, mas muitos mesmo, além de morar sós, vivem na solidão – sem qualquer cuidado. Por aqui, o calor também coincide com as férias e as estradas lotadas de carros e aeroportos abarrotados de famílias indo passar semanas distantes dos seus pais, avós e tios.
A desidratação acomete os idosos em sua mente, deixando-os confusos, com menos sede, fragilizados. Todos, ricos ou pobres, apresentam risco para passar mal em dias como os de hoje. É claro que os mais doentes apresentam mais risco, porém todos possuem uma regiãozinha do cérebro que, com o tempo, deixa de estimulá-los a ingerir mais líquidos. E o que acontece? Assim como a água de seus corpos se esvai no suor e na respiração compensatória, as chances de escapar ilesos dessa onda de calor minguam. Imagine você quantos idosos padecem agora com o calor? Quantos já caíram ou estão em risco de cair?
Não poderíamos cuidá-los melhor? Agentes de saúde das unidades básicas não poderiam visitá-los semanalmente? Operadoras de saúde não poderiam orientar seus usuários? Afinal, conhecemos quem são os mais vulneráveis e, num bairro, não são muitos com acima de 85 anos, com dificuldades em locomoção, sem ar condicionado ou que moram sozinho – é algo que me parece fácil de ser feito.
Filhos, netos, parentes e amigos não poderiam conferir se a quantidade de líquido que o idoso ingere está adequada e se está tudo bem?
Nós, estado e cidadãos, não precisamos de números como os de Paris para começar a cuidar de quem, independentemente da capacidade mental, não resiste são a esse verão perigoso.
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A desidratação é uma das principais causas de internação de pacientes idosos, especialmente em épocas de grande calor. Eles apresentam uma tendência maior à condição por possuírem menor quantidade de líquido no corpo, apresentarem rins envelhecidos e por sentirem menos sede – há uma parte do córtex cerebral responsável pela sensação de sede que fica menos ativa com o envelhecer. Além de ser um problema por si só, a desidratação aumenta os riscos para o desenvolvimento de pneumonias e de constipação intestinal, inclusive com a formação de fecalomas.
Quais idosos apresentam risco aumentado para desidratação? idade acima de 85 anos, mulheres, aqueles com baixo peso, insuficiência renal, dependência para realizar atividades diárias, hospitalizados ou residentes de instituições de longa permanência, idosos com cuidadores pouco capacitados, idosos com demência e depressão, que ficam em jejum prolongado, que têm mais de cinco doenças crônicas e usam determinados medicamentos, principalmente os diuréticos.
São causas de desidratação em idosos: medicações, como diuréticos e laxantes; baixa ingesta hídrica (<1,5 l ao dia); hiperglicemia (açúcar alto no sangue); diarreia e vômitos; exposição a altas temperaturas; infecções; e esforço físico excessivo.
Muitas vezes os sinais e sintomas de desidratação são discretos; veja como ela pode se manifestar:
· Confusão mental
· Fraqueza muscular
· Constipação (ficar sem “ir aos pés”)
· Olhos profundos
· Tontura, principalmente ao ficar em pé
· Cãibras
· Dor de cabeça
· Febre
· Irritação
· Desorientação e esquecimento
· Infecção urinária e pneumonia
· Taquicardia (batimentos cardíacos acelerados)
· Perda de peso
· Pele seca e com menor elasticidade(turgor diminuído)
· Menor produção de urina
· Quedas
· Hipotensão (pressão baixa)
· Piora em infecções
Uma informação muito útil na avaliação de idosos com suspeita de desidratação é o peso do paciente e o quanto ele perdeu. Outro sinal importante é o turgor cutâneo, que pode ser avaliado pelo tempo que a pele demora para voltar ao normal após ser pinçada (leve beliscão): quanto maior for o tempo necessário para a pele voltar ao normal, maior a chance do idoso estar desidratado. As regiões mais indicadas para realizar esse procedimento são logo abaixo das clavículas e nos antebraços.
As principais complicações (consequências) da desidratação são: falência dos rins, coma, anormalidades nos minerais do sangue (sódio, potássio e magnésio), e como mencionado anteriormente, aumento no risco de pneumonias, arritmias cardíacas e prisão de ventre.
Como podemos evitar a desidratação?
- A melhor maneira de prevenir a desidratação é a ingestão de quantidades adequadas de água e de outras bebidas saudáveis (sucos). A quantidade recomendada é de um pouco mais do que 25 ml por cada kg de peso, para idosos com 65 anos ou mais. Exemplo: pessoa com 70 kg – um pouco além dos 2 litros ao dia.
- Em casos de pacientes com problemas cardíacos (Insuficiência cardíaca congestiva), a quantidade necessária pode ser um pouco menor;
- Uso de bebidas com sabor, com mais fácil aceitação como sucos, chás ou água de coco;
- Não costumo colocar o chimarrão nesse cálculo!;
- Deve-se deixar água sempre disponível e à vista do idoso;
- Lembrar de tomar água quando se escova os dentes, durante a tomada de remédios e durante as refeições é uma forma de conseguir atingir a quantidade de água necessária;
- Garantir que idosos institucionalizados façam todas as refeições;
- Usar espessantes para líquidos em idosos que se engasgam;
- Buscar o tratamento adequado para incontinência urinária- muitos idosos ingerem menos líquidos justamente para evitar o constrangimento de perda de urina;
- Consultar o médico em épocas de calor para ajuste nas doses das medicações;
- Alimentos e bebidas contendo sódio e potássio (sucos e frutas) devem ser consumidos para manter os níveis desses minerais no organismo.
Que tal ter uma conversa com os idosos da sua família sobre essa armadilha? Ou, quem sabe, não presentear uma tia, um avô ou um pai com uma linda garrafa térmica, dessas bem descoladas?
Um grande abraço, Leandro Minozzo
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ótimo artigo parabéns