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Papa Francisco propõe a “Revolução da Ternura” aos idosos e aos jovens

Qualquer pessoa atenta e com boa percepção pode identificar as dificuldades que enfrentamos enquanto pessoas e membros de uma mesma condição humana. Questões envolvendo perda de referenciais, novas formas, limites e compromissos em relacionamentos e o medo e a insegurança quanto a projetos de vida e o outro fazem parte disso e geram muitas angústias em todas as faixas etárias. Temos que o necessário senso de humanidade comum nos escapa. E o que seria esse senso? Ele nada mais é do que a ideia e a aceitação do que significa viver a humanidade nos níveis individual e coletivo, interligando-nos.  E escapa porque temos uma competição constante e dura com os outros, e conosco mesmos, num ambiente de marcada diminuição da cultura das virtudes sociais nos últimos 30 anos.

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Há muitos intelectuais com excelentes capacidades analítica e descritiva que conseguem discorrer sobre os fenômenos relativos à desumanização.  Não são, entretanto e infelizmente, leituras acessíveis a grande maioria das pessoas. Entretanto, há uma pessoa muito conhecida e que consegue transmitir suas percepções de forma simples, articulada e com sabedoria.

Na última semana, terminei a leitura do livro “Deus é Jovem”, do Papa Francisco em entrevista ao jovem jornalista Thomas Leoncini. Gostei bastante e, assim como em outros tantos posicionamentos do Papa, me surpreendi. Novamente me surpreendi. É um texto que, apesar da extrema simplicidade, fala desses aspectos aos quais nós, humanos, temos tido dificuldades em reconhecer e a enfrentar. Francisco fala sobre uma sociedade desenraizada, na qual toda sorte de insegurança e confusão emerge em jovens, nos adultos e em seus idosos.

Fala também sobre os desafios aos quais jovens e os idosos vivenciam, principalmente porque são quase sempre considerados como descartados da nossa sociedade. O sofrimento psíquico, a medicalização excessiva e a desesperança dos jovens assim como a solidão e o contingenciamento de vida nos idosos são descritos com lucidez por Francisco.

É um texto que segue a mesma linha das posições anteriores do Papa. Em sermões, entrevistas, manifestações em redes sociais e nas exortações apostólicas ele frequentemente fala aos e sobre os jovens. Da mesma forma, tenta resgatar a importância dos idosos.  Há um constante esforço de compreensão e inclusão tanto dos jovens quanto dos idosos.

O livro, em minha opinião, mostra novamente Francisco não apenas como mais um observador crítico dos nossos desafios de humanidade, mas como alguém que os conecta com aspectos políticos e econômicos. Vejo-o como alguém que olha para a vida como um continuum, que assume seu papel de líder espiritual para todas as faixas etárias e situações humanas e, o que parece difícil, propõe soluções factíveis, no campo do humano.

Entre essas soluções, no livro há uma para que possamos superar problemas oriundos de uma sociedade desenraizada: Francisco propõe a “Revolução da Ternura”.

Ele indica que o diálogo entre jovens e idosos seria uma das formas de enfrentamento dos desafios da sociedade desenraizada e que exclui. A salvação dos idosos seria dar memória aos jovens, repassando-lhes a noção da história e a capacidade de sonhar com um futuro. O Papa coloca, de maneira muito perspicaz, essa vital capacidade de sonhar como própria e necessária aos idosos, condicionando que esses sonhos sejam muitas vezes executados ou compartilhados com os jovens. Parece simples, mas geracionalmente é algo significativo, perpassa e muito o simples contato e convívio entre dois extremos etários. É diálogo, troca e compartilhamento de histórias e potencialidades – algo muito rico e transformador.

Para os jovens, a atitude de ternura seria abrir-se para essa troca, escutando essas lições e histórias dos idosos. Dessa forma, enraizando-se no senso de humanidade comum, os jovens poderiam superar a condição do descarte e construir significados e profetizar um futuro com esperança. Aprender sobre emoções, perceber que todos temos dificuldades e ser acolhido no contato humano é extremamente esperançador, acredite!

Vossos anciãos terão sonhos e vossos jovens terão visões”, diz o Papa Francisco, resgatando trecho bíblico (Atos dos Apóstolos 2:17).

Ele acredita que essa Revolução da Ternura conseguirá fazer com que duas gerações de descartados salve a todos.

Enquanto estudioso do envelhecimento e tendo feito pesquisas na área da terapia do sentido da vida e depressão na terceira idade, vejo que essa proposta do Papa é instigante, cheia de sabedoria e que deverá ser mais discutida. Pode-se fazer conexões diversas entre a “Revolução da Ternura de Francisco” com referências na área da psicologia, como por exemplo, o conceito de generatividade de Erik Erikson.  Sobre esse resgate da capacidade de sonhar por parte dos idosos, creio que seja o que temos de vanguarda em qualquer estudo sobre envelhecimento – e em todas as culturas.

Francisco deixa destacado que essa aproximação é responsabilidade de ambos, jovem e idoso, e que não há hierarquia quanto a quem deva tomar a iniciativa.  Os adultos, na minha opinião, poderiam facilitar essa revolução, criando espaços para que ela aconteça.

O Papa tem se mostrado extremamente atento aos sinais do nosso tempo e, já idoso com mais de 80 anos, faz constante aproximação com todos. Esse caminho alegre e coerente de evangelização em formas variadas, com linguagem adequada e assuntos articulados a diversas dimensões das nossas vidas e da sociedade, destacando sempre o que é essencial nos ensinamentos e na vida de Cristo, é a própria revolução de ternura do idoso Papa para nossos dias. Ternura que traz muito da vida de Jesus e de um Deus bom, piedoso, misericordioso e que nos pede para amarmos uns aos outros.

Recomendo a leitura de “Deus é Jovem”, assim como as exortações apostólicas de Francisco. Para quem prefere vídeos, sugiro assistir à surpreendente participação do Papa numa conferência do TED, em 2017. Nela, há a mensagem sobre uma educação da fraternidade para superar a cultura do descarte.

 

Abraços, Leandro Minozzo

Médico geriatra

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