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A aposentadoria de mães deveria ser diferente.

O assunto aposentadoria voltou à discussão nacional: excelente! Nessa semana, entrou em vigor a nova regra 85/95 para substituir o famigerado – e, por que não, mal empregado – fator previdenciário. É um tema cheio de polêmicas e estou muito distante de conseguir emitir qualquer posicionamento que valorize sua breve atenção. Vou comentar sobre um aspecto apenas:  esses dez anos/contribuição de diferença entre homens e mulheres. Já ouvi alguns injustiçados reclamarem. “Por que isso, Doutor? Afinal, elas vivem muito mais do que nós.” A resposta, claro, todos temos na ponta da língua: é uma compensação por uma vida mais difícil quando comparada à dos homens, tem a ver com a maternidade, tempo de criação de filhos, jornada dupla, tripla, etc. É verdade e não deixa de ser uma forma de retribuição social justíssima – é a minha opinião, ressalto isso porque há feministas que pegam pesado na crítica.

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Já que estou no exercício de emitir opiniões, sou contrário a proporcionar essas duas opções às mulheres: manter o fator previdenciário ou o 85/95. Sou contra porque defendo a inclusão de uma terceira via. Ela alteraria a diferença do 85/95. Proponho reduzir essa diferença, aumentando o 85 das mulheres para 87, quem sabe 88 – depende de uns cálculos. A mulher que começasse a contribuir aos 25, receberia o benefício só aos 57 ou 58 anos. (Só para lembrar, na perspectiva do envelhecimento populacional – com mulheres normalmente passando dos 80 anos em diversos lugares –, 58 anos é considerada uma idade precoce para a aposentadoria.)

Vamos lá, seria bem mais interessante, essa é a posição que defendo, para as mulheres a opção por uma jornada de trabalho adaptada, com a flexibilização necessária para o cuidado dos filhos e de si mesmas. E como se daria essa adaptação: elas poderiam, por exemplo, ter a jornada diária de trabalho reduzida em uma hora até o filho mais novo completar os oito anos. “Praticamente inviável. Os empresários jamais aceitariam.” – foi a resposta de um grande político gaúcho com histórico de defesa dos trabalhadores. Hoje, questiono essa inviabilidade, porque o caldeirão político está borbulhando e as manifestações públicas repercutem mais.

Na época em que expus essa ideia – na verdade era uma versão muito parecida – havia recentemente ministrado uma palestra sobre a saúde da mulher. Levei bastante a sério esse evento e por dois meses mergulhei no assunto. As pesquisas mais recentes reforçaram tudo o que via e vejo aqui no consultório: as condições atuais que a sociedade oferece às mulheres estão lhes causando um adoecimento precoce e desenfreado. O quadro é pior, mais agudo e grave, quando elas trabalham e têm filhos pequenos.

Estresse, depressão, ganho de peso, perda de libido, irritação, problemas no casamento e dificuldade na educação das crianças. Inevitavelmente, uma onda de culpa atinge grande parte de mulheres jovens, bem empregadas e com aquilo que há muito sonhavam: seus filhos. Nesse cenário, às vezes sobra também para os maridos.

Eu, particularmente, muitas vezes fico em situação difícil ao tentar ajuda-las nesses casos. Tempo para fazer academia? Evitar comer pratos rápidos à noite? Dormir mais duas horas ao dia?… Pode-se até tentar, mas a simples escuta de como é a rotina de uma mulher na casa dos seus 30 anos, que trabalha, tem filhos e ainda estuda faz com que a capacidade de motivação fique limitada e a escuta se torne o consolo. Algumas vezes já aconselhei que trocassem de emprego ou trancassem cadeiras da faculdade. Só remédio não dá conta.

O próprio Papa contesta essa condição de “igualdade”: “Muitos consideram que a mudança ocorrida nessas últimas décadas tenha sido posta em movimento pela emancipação da mulher… é uma falsidade, não é verdade”. Lendo o que antes relatei do dia-a-dia do consultório, há de se concordar totalmente com o Pontífice. O caminho necessário ultrapassa a igualdade, trata-se da equidade – oferecer recursos diferentes a quem tem demandas diferentes.

Quais são as consequências disso tudo? Hoje, doenças que eram tipicamente propriedades dos homens, vêm ganhando espaço entre as mulheres, especialmente doenças do coração e derrames. Outras doenças e condições como câncer, sobrepeso e obesidade, sedentarismo e alcoolismo também têm crescido entre elas. As mulheres do Brasil estão entre as mais estressadas do mundo, algo em torno de 64% apresentam esse quadro, além de serem destaque em sedentarismo.

Agora, de repente a parte que me exigirá maior sutileza com as palavras, temos que pensar na situação dos filhos das mulheres que vivem esse estresse todo. Com certeza, a criação dos filhos é co-responsabilidade dos pais, porém, como se percebe uma crescente e velada dificuldade das mulheres em lidar com tantas tarefas, elas mesmas se culpam por quaisquer dificuldades que os filhos enfrentem. Sabe-se que o estresse da mãe inevitavelmente impacta seus filhos, desde quando são muito pequenos. Poderia ficar listando diversos sinais e sintomas que crianças apresentam nesses casos, você deve imaginar alguns.

Aonde essa desconsideração com a mulher trabalhadora irá nos levar? Com mulheres jovens não desejando mais a maternidade? Com a perpetuação do adoecimento feminino? Ou, quem sabe um dia, com uma surda medicalização desnecessária de crianças? Nada disso parece justo, muito menos racional.

Por que não oferecer uma hora a mais por dia para essas mulheres e para seus filhos? É pouco? Ainda acho que é, mas já dá para levar o filho para brincar na rua, tomar um café com uma amiga ou fazer uma caminhada. É muito? De forma alguma. Patrão, fique tranquilo, pesquisas mostram que o grande beneficiado dessa história toda será você: terá uma funcionária muito mais engajada, faltando menos e mais produtiva. Além do mais, terá a teu lado, logo à diante, uma profissional no ápice da sua inteligência emocional e conhecimento técnico por mais dois anos, podendo ser fundamental, quem sabe, no treinamento de novos colaboradores. Patrão, se você discorda de mim, por favor considere mudar a denominação de alguns setores da sua empresa, como Gestão de Pessoas ou Desenvolvimento Humano – simplesmente não fecha.

E as mulheres que não quiserem ter filhos? Como ficam os homens? Continuam com o 85/95.

“É impossível! Vai prejudicar as mulheres no mercado de trabalho!” A licença maternidade está aí e prova o contrário –  a presença feminina em todas as áreas só tem aumentado. Em países europeus e nos Estados Unidos, os resultados de ações como essa tem mostrado um ganha-ganha fantástico.

Fazendo os cálculos, nesses sete anos e meio, seriam 1.815 horas para as mulheres compartilharem com seus filhos ou consigo mesmas.  Isso equivale a menos de um ano de trabalho (44h semanais x 11 meses = 1936 h/ano). O Governo não teria prejuízo algum: seria uma simples antecipação de benefício. 

É uma chance para as mães… e seus filhos. A meu ver, não precisaríamos nem mexer nessa questão de aposentadoria, porque tudo que falei parece ser bastante justo e necessário. Porém, vejo nesse debate que se instalou recentemente, uma oportunidade ímpar não para os aposentados… mas para as mulheres mães e seus – nossos – filhos.

Sei que ainda precisamos correr atrás da igualdade de direitos entre homens e mulheres, porém acredito que já poderíamos olhar para frente: pensarmos em equidade, ou seja, flexibilizar nossa sociedade às necessidades das mulheres, em especial, das mães. Pensando assim, reforço a perspectiva machista na qual só as mulheres deveriam cuidar dos filhos? Nada a ver. Homens quando se tornam pais também deveriam ter algum grau de flexibilidade, como o recente aumento para 20 dias de licença paternidade. Ressalto a necessidade de atenção paras as mulheres mães justamente porque sua situação de adoecimento é preocupante e urgente.

Por fim, dizer que na Holanda as mães e as crianças são mais felizes justamente devido à menor jornada de trabalho das mulheres pode ser um pouco simplório. Alguns podem questionar essa relação. Mas vale a lembrança e deixar essa dúvida no ar.

Eu acredito nessa relação.

Um forte abraço, Leandro Minozzo

 

Conheça meu livro sobre o assunto: Não se aposente

 

Links:

The 8 Secrets of Dutch Kids, the Happiest Kids in the World

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542220-mulheres-direitos-iguais-mas-nao-na-igreja

“Progressive companies are aware of the demand: Virtually every employer on the 2012 Working Mother 100 Best Companies list, including AstraZeneca, offers full-time employees the option of switching to a part-time schedule. And the change can be either temporary, as in cases where a new mom is phasing back from maternity leave, or permanent.”  – http://www.workingmother.com/content/what-do-working-moms-really-want-part-time-question

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