Cada vez mais me convenço que o envelhecimento ativo passa pela questão de boa estrutura e função muscular. Quanto maiores a quantidade e a força dos músculos, melhores são os indicadores de saúde, como qualidade de vida, funcionalidade e cognição. As evidências científicas são incessantes e reforçam essa conexão músculo-saúde-longevidade. Até aí nenhuma novidade. Outro ponto que todos sabemos é que a perda da massa muscular com a idade tende a acontecer, com todos nós.
No entanto, essa perda de massa e força muscular pode extrapolar o que seria normal ou próprio do envelhecimento (senescência). Nesse caso temos uma condição, que podemos chamar de síndrome, denominada sarcopenia – do grego significando “pouca carne”. De “normal”, a sarcopenia não tem nada. É um tipico caso de senilidade, ou seja, envelhecimento precoce ou doentio.
Apesar de estar descrita desde 1989 e acometer 50% dos idosos com mais de 80 anos, ela ainda encontra pouco espaço no cotidiano clínico aqui no Brasil. Em congressos de geriatria, propagandas de suplementos, livros e pesquisas percebo claramente a atenção dada à sarcopenia, mas no dia-a-dia ainda a vejo um tanto distante como condição a ser diagnosticada e tratada. Presente eu sei que ela está; é facilmente perceptível no caminhar de muitos idosos e nas suas pernas e braços emagrecidos.
Hoje, já sabemos bastante a respeito das causas e consequências da síndrome. Nela, há diminuição nas fibras musculares brancas do tipo II – que se caracterizam pela força, explosão – e alteração nos nervos que os conectam com o sistema nervoso. Somam-se alterações fisiopatológicas, como inflamação, resistência insulínica e estresse oxidativo. Isso quer dizer: diversas condições levam à sarcopenia (doenças, sedentarismo e desnutrição) e sua instalação causa alterações fisiológicas que pioram outras doenças. Bem como um ciclo vicioso, ela vai consumindo a musculatura e reduzindo a capacidade de defesa e reação do idoso. Isso é tão verdade que a sarcopenia está relacionada a uma outra condição terrível de saúde, que é a síndrome da fragilidade.
Mas então, se é normal perdermos músculo, quando posso dizer que um idoso tem sarcopenia?
Na presença de perda de massa muscular associada à perda de força OU performance. Quando há apenas a diminuição na massa muscular, temos uma condição chamada pré-sarcopenia. Reconheço que, num primeiro momento, não é tão fácil compreender e transpor para uma consulta.
Ao estudar sobre a síndrome, diversos métodos de diagnóstico mostram-se inacessíveis para grande parte da população de idosos do país. Densitometria de corpo inteiro (DEXA), bioimpedância – para cálculo do índice de massa muscular esquelética -, medição de força de preensão palmar são exames diagnósticos excelentes porém ainda não disponíveis, mesmo para pacientes com plano de saúde. Um detalhe importantíssimo, porém, é que o rastreamento da doença passa por dois exames médicos bastante simples e de custo quase zero.
O primeiro deles é a medição da circunferência da panturrilha. Idosos com uma medida de 31 cm ou abaixo estão em risco para sarcopenia e merecem uma avaliação mais aprofundada.
O segundo é a velocidade de marcha. Trata-se de um índice representativo da performance do idoso. O teste é feito com a tomada de tempo, por duas vezes, que o paciente leva para percorrer 4 metros. Velocidade abaixo de 0,8 metros por segundo indicam risco para sarcopenia. A velocidade de marcha, com esses parâmetros, é o primeiro balizador para o rastreio da síndrome segundo as diretrizes do European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP).
Vejam só, são dois métodos realmente simples e que podem ser feitos por qualquer pessoa – inclusive o próprio paciente. Basta fazer uma marca no solo, com os 4 metros, e cronometrar o tempo. Qualquer valor cima de 4,8 segundos indica alteração na performance. Assim como qualquer medida de panturrilha nos 31 cm ou abaixo indica baixa massa muscular.
Recentemente algumas pesquisas reforçam o impacto da sarcopenia na qualidade e quantidade de vida dos idosos. Em estudo feito na Itália, com idosos acima de 80 anos acompanhados ao longo de 7 anos, aqueles que apresentavam a síndrome tiveram uma mortalidade 2,3 maior – resultado também encontrado em pesquisa semelhante feita no México. Quanto ao risco de quedas – perigosas e ansiogênicas -, o mesmo grupo do trabalho italiano apontou que os idosos com sarcopenia caíam 3,2 vezes mais do que aqueles sem a síndrome.
Sinceramente, não vejo como motivar os pacientes a terem um vida longa e saudável sem pensar nessa questão muscular. Isso é fundamental e cada vez será ainda mais.
Ah, não pense que estar acima do peso signifique imunidade contra a sarcopenia… ela também atinge idosos com sobrepeso e obesidade.
Abraços, Leandro
Referências:
Ageing. 2013 Mar;42(2):203-9. Clin Nutr. 2012 Oct;31(5):652-8. J Nutr Health Aging. 2013;17(3):259-62.
Em português: Sarcopenia associada ao envelhecimento: aspectos etiológicos e opções terapêuticas. Silva et al. link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0482-50042006000600006&script=sci_arttext
Achei seu artigo excelente e foi republicá-lo no meu blog, cujo endereço está aí em cima. Tive que reduzi-lo um pouco dado o meu espaço. Fica uma pergunta: devemos partir para a musculação?
Um abraço e parabéns, o doutor escreve muito bem.
Thereza
Oi, Thereza! A musculação, o pilates e a natação são boas formas de exercitar os músculos!
forte Abraço e muito obrigado pelo carinho.
Gostaria de fazer uma pergunta.
O idoso em pre sarcopenia poderia estar fazendo uso de suplemento ,como por exemplo whey e/ou aminoacido enquanto treina ou mesmo no dia a dia?
Com certeza. Claro que uma avaliação clínica se faz necessária, sempre!
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