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A Revolução Necessária no SUS: Inovação e a Estratégia de Saúde da Família 2.0

“Despite wondrous advances in medicine and technology, health care regularly fails at the fundamental job of any business: to reliably deliver what its customers need. In the face of ever-increasing complexity, the hard work and best intentions of individual physicians can no longer guarantee efficient, high-quality care.” (Harvard Business Review, 2014)

Sei que esses últimos meses (aliás, 2 anos) não colaboraram para que as conquistas sociais sejam valorizadas. Lembro que elas não são de um partido, de uma região geográfica ou apenas da parte debaixo da pirâmide. São de todos os brasileiros. Entre essas conquistas quero te apresentar a silenciosa, porém brilhante, Estratégia de Saúde da Família (ESF).

Em 2008, trabalhei como médico num posto de Saúde da Família em Montenegro e foi uma grande experiência. Recentemente, voltei ao contato muito próximo com a atenção básica e, depois de quase uma década, amadureci muitos conceitos e capacidade de refletir sobre o SUS. Acredite: essa forma de organização da atenção básica vem qualificando a saúde pública e se apresenta como um campo fértil para um ciclo revolucionário. Chegou a hora, na minha opinião, de darmos um passo além – apesar da crise.

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Sobre a ESF, inegavelmente houve uma expansão importante da estratégia na última década. Hoje, no país todo, contamos com quase 40 mil equipes de saúde da família, que atendem aproximadamente 121 milhões de pessoas; 66,4% da população está coberta pela estratégia. O número de equipes de saúde bucal de modalidade I saltou de 2.000, em 2002, para 22.000 agora em 2016. Na modalidade com complexidade maior, o crescimento também foi marcante: 262 para 2.240 equipes de modalidade tipo II.

Fundamentais para a atenção básica, o número de agentes comunitários de saúde também impressiona: 265 mil. Aqui no RS, são quase 1.900 equipes de saúde da família e 855 de saúde bucal.

Além dessas questões numéricas, há pesquisas mostrando os resultados  positivos da estratégia em termos de saúde da população. Mostram sua eficiência e efetividade.  Há poucos meses, foi publicado artigo num dos mais importantes periódicos médicos, o The New England Journal of Medicine, analisando e elogiando a ESF. Vale muito a pena essa breve leitura. Recentemente, outro grande jornal (The Lancet) publicou sobre o impacto da política de transferência de renda a pessoas carentes sobre a mortalidade infantil. O Bolsa Família chega reduzir em 17% a mortalidade em crianças até os 5 anos, especialmente por diminuir óbitos por diarreia e desnutrição.

Mas qual a relação entre a Estratégia de Saúde da Família e o programa de transferência de renda? Nas contrapartidas que envolvem saúde, os beneficiários do Bolsa Família aproximam-se da ESF. Eles precisam levar seus filhos às consultas, às campanhas de vacinação e as gestantes têm que fazer o pré-natal. Parece pouco, no entanto já vem dando resultados consistentes como vimos. A meu ver, as contrapartidas poderão aumentar, com resultados provavelmente ainda melhores.

Desde 2013, com o Programa Mais Médicos e todos seus desdobramentos, a saúde da família ganhou com recursos humanos e os municípios conseguiram atrair profissionais. O aporte de recursos federais foi aumentando na comunhão desses dois programas.

Existem, é claro, diversos problemas que envolvem a atenção básica no Brasil. Um dos mais graves é a questão trabalhista e de qualificação profissional, principalmente pela falta de algo muito importante que são os planos de carreira. Mas não é por esse caminho que pretendo divagar agora.

Quando no título falo em revolução na saúde brasileira não fui utópico, nem exagerado. À expansão e à consolidação da Estratégia de Saúde da Família somam-se uma crescente informatização (especialmente de hardware) das unidades, o aumento do acesso à banda larga (há programa do governo para potencializar o acesso das unidades), o começo da instalação dos softwares que formam a plataforma e-SUS, a grande número de usuários do SUS com smartphones e o maior domínio da população no uso de tecnologias. Faltam ainda alguns passos para conectar de vez a tecnologia da informação e da comunicação com o gerenciamento e com o cuidado da saúde, com a gestão das unidades e com toda a ESF.

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A Estratégia de Saúde da Família 2.0 conseguirá revolucionar definitivamente a saúde pública dos brasileiros. Cartões, cadernetas, fichas serão trocadas por informações disponíveis em nuvens e tratadas com inteligência. Aquelas consultas para apenas trocar receitas diminuirão drasticamente, assim como formulários maçantes e pedidos de renovação de medicações especiais. (Li uma vez que até 20% dos atendimentos médicos em unidades básicas envolvem essas questões burocráticas.)

Crianças cujos pais esqueceram da vacinação, receberão em poucos dias a visita do agente de saúde, que será informado em seu tablet, com o emprego de recursos já disponíveis, como o georreferenciamento. O mesmo valerá para o senhor de 52 anos que ainda não fez seu exame de rastreio do câncer de intestino ou a senhora que nunca mais fez o Papanicolau. O paciente hipertenso que não veio buscar sua medicação provavelmente tenha parado de tomá-la. Ele se surpreenderá com a entrega na porta de casa das cartelas de losartana, ou de captopril.

Pacientes em que receberão tratamentos caros, como cirurgias bariátricas e stents coronarianos não mais desaparecerão do acompanhamento dos quais seriam “obrigados” a cumprir.

Por outro lado, o SUS não precisará imprimir centenas de páginas de apostilas, pois a educação dos profissionais de saúde definitivamente será em rede, permanente e interativa.Os pacientes também serão educados ativamente. Um médico no interior do Amazonas receberá uma aula ou uma teleconsultoria de um colega especializado de um grande centro. Fará parte da sua rotina.

A participação social – uma das diretrizes do sistema – entrará de vez em sua gestão. A qualidade dos serviços será avaliada online. 

São só exemplos simples do que virá com essa revolução no cuidado. E tomara que ela venha logo. O terreno, as pessoas precisando de cuidados, as universidades e as escolas técnicas, os profissionais querendo dar esse salto e as ferramentas já estão disponíveis. Temos recursos como nuvem, internet das coisas, inteligência artificial e análise de big data que poderão ser aplicados em gerenciamento de saúde. É uma tendência muito forte.

Interoperabilidade entre sistemas, ações conjuntas entre secretarias e ministérios. É, sim, tudo possível. Práticas como o Telessaúde já apontam o caminho.

“Every 50 years, there is a revolution in healthcare based on the trends of the era. In the 1870s, healthcare was revolutionized by the germ theory of disease and promotion of public health efforts. In the 1920s, the discovery of penicillin propelled forward the use of medication as treatment for disease. In the 1970s, use of the randomized controlled trial (RCT) ushered in an era of evidence-based medicine. As we approach the 2020’s, the trend toward big data, tools and systemization of care will revolutionize the way hospitals and physicians work and, most importantly, the way patients are treated.” Dan Riskin, MD para a Forbes, 2012

O SUS foi inovador em atender a população através da “saúde da família”, tanto que operadoras de saúde já o copiaram. Agora, é o momento de inovar novamente. O interessante é que não se deve esperar por uma ordem superior, a descentralização e o fato da atenção primária ser de responsabilidade dos municípios abrem caminhos para ações empreendedoras locais. 

 

Abraços,

Leandro Minozzo

Médico geriatra e nutrólogo, mestre em educação, pós-MBA em liderança – CREMERS 32053

 

 

Referências:
Davide Rasella, et al. Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality: a nationwide analysis of Brazilian municipalities. Volume 382, Issue 9886, 6–12 July 2013, Pages 57– 64. www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673613607151

James Macinko, Ph.D., and Matthew J. Harris, M.B., B.S., D.Phil. Brazil’s Family Health Strategy — Delivering Community-Based Primary Care in a Universal Health System.N Engl J Med 2015; 372:2177-2181June 4, 2015

Artigo da HBR: https://hbr.org/2014/06/engaging-doctors-in-the-health-care-revolution
Artigo da FORBES: http://www.forbes.com/sites/singularity/2012/10/01/the-next-revolution-in-healthcare/
http://www.telegraph.co.uk/news/health/news/11680638/NHS-patients-to-be-monitored-remotely-in-digital-healthcare-revolution.html
http://www.brookings.edu/~/media/research/files/papers/2014/08/05-emerging-revolution-health-care-west-yaraghi/west-naraghi_health-care-revolution.pdf

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