Uma pena as denúncias envolvendo a carne em nosso país. Mais um balde de água fria na cabeça de todos os brasileiros. Uma pena e há indícios, sim, de crime. Tivemos problemas com leite, com achocolatado, com sucos que eram água com açúcar e, agora, nova fraude. Fico, no entanto, ainda com receio em tomar qualquer posição enquanto médico. Acho que são poucas as provas que tivemos acesso quanto às fraudes sanitárias. Essa escassez pode ser que faça parte da estratégia da acusação, ou pode também ser que não.
No caso da fraude do leite, muitos colegas médicos e nutricionistas passaram a usá-la como argumento “científico” para desaconselhar o consumo de laticínios. O que acho raso e discordo. Quer dizer que se não houvesse as denúncias de fraude no leite ele seria um bom alimento? Infelizmente, esse tipo de oportunismo pode ser prejudicial para os pacientes.
Em relação às carnes (gado, suíno e aves), tinha para mim que as vistorias internacionais eram rígidas o suficiente para atestar a qualidade dos produtos feitos aqui. As missões que aqui vinham desde o tempo da aftosa eram de grande rigor. E agora? Como se dará o processo de recuperação da credibilidade na qualidade do alimento? Precisaremos de provas e auditorias para qualquer pender para um dos lados (acusação e defesa). Tanto para acusar quanto para inocentar as denunciadas precisaremos de clareza.
Sobre os riscos à saúde, é claro que a denúncia assusta. Mas vou tentar pegar alguns pontos e expor o que penso. As fraudes tendem a acontecer com as carnes processadas (salsicha, nuggets, hambúrgueres, carne enlatada, linguiça). A novidade agora foi a adulteração da carne in natura. Como médico nutrólogo, não recomendo que carnes processadas, em especial os embutidos, façam parte da dieta, uma vez que são nocivos por si só (com ou sem papel, como diz a denúncia). São ricas em nitritos, sódio e outros ingredientes prejudiciais. Seu consumo regular está associado a diversos tipos de câncer digestivos (em especial de intestino grosso), aumenta risco de obesidade e de diabetes e também do Alzheimer. Em relação aos produtos usados para as fraudes, falou-se do ácido ascórbico. Ácido sempre assusta, mas no caso esse é justamente a vitamina C, um antioxidante que é usado normalmente na indústria alimentícia e por muitas pessoas na forma de comprimidos efervescentes. Pode fazer mal quando em altas doses? Claro. Mas quais as dosagens usadas? Isso ocorre sempre ou realmente quando a carne “estraga”? Tenho hoje, sim, muitas dúvidas em relação a essa história, assim como as pessoas com quem conversei. As fraudes principais eram na liberação de quantidades (para diminuir tributação) ou era mesmo na qualidade dos produtos? Tenho a impressão que nas denúncias da adulteração do leite e nos efeitos do agrotóxicos as provas meio que não davam margem para essas dúvidas.
O que posso deixar de melhor ponto nesse post é o seguinte: por envolver um assunto delicado à saúde humana e um setor importante da economia do país, o correto seria uma intervenção do poder público, ou seja, do Ministério Público Federal. Órgãos de defesa do consumidor, OAB, Conselho Nacional de Saúde, FIOCRUZ e Universidades Federais deveriam participar, e logo. Principalmente órgãos não vinculados tão hierarquicamente ao governo. Vai ser difícil que tenhamos as respostas sem uma ação de órgãos que passem credibilidade para os brasileiros e para o exterior.
“A segurança alimentar é um direito humano garantido pela Lei 11.346/2006. Determina que é dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, com alimentos de qualidade, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade.” (1)
Agora, mais do que nunca, precisaríamos de líderes com credibilidade. Líderes eu me refiro a governantes, agentes públicos e instituições.
Um ponto importante nessa história são os trabalhadores. Solidarizo-me com todos os produtores rurais e funcionários das grandes empresas denunciadas e de todo o setor de proteína animal. Quem conhece a realidade do campo sabe que é praticamente impossível não ser um prestador de serviço para esses conglomerados. No entanto, ao contrário de quem perde e ganha (ganha até mesmo na baixa!) na bolsa, são pessoas que terão suas vidas atrapalhadas. A maioria deu duro para construir seu aviário ou galpão para criação de porcos.
Lembro que toda a cadeia produtiva está em cheque (gado, suíno e aves). Vários países acabaram de suspender a importação de carnes brasileiras e as perdas já se aproximam dos 10 bilhões de reais.
Aqui no consultório, já tive que responder a pacientes sobre se devem interromper o consumo de carne. O que dizer?
Antes lembrava que precisamos consumir diariamente entre 1,0 a 1,5 grama de proteína por cada quilo de peso que temos. Ovos, laticínios, carnes, feijões e soja e seus produtos são as principais fontes. Agora, tenho que ir um pouco mais além e orientá-los a:
– evitar comprar carnes embaladas;
– voltar a pedir carnes no açougue – sendo cortadas na hora;
– carne moída, só na presença do consumidor;
– aproveitar essa denuncia e eliminar de vez da dieta os nuggets, salsichas, hambúrgueres e afins. Isso porque quase todos as pesquisas que questionam o impacto da carne bovina na saúde humana, apontando-a como prejudicial, são baseadas em dietas ricas em carnes processadas. Os estudos feitos com carne in natura não apontam malefício.
Nesse ponto, não dá para ser nenhum pouco conclusivo, ainda.
Um abraço, Leandro Minozzo
(não devemos achar que somos os únicos países do mundo onde ocorreram as fraudes com alimentos – é uma prática antiga e que demanda ações governamentais rígidas e atentas).
Link:
Uso de carne de cavalo em hambúrguer
Técnicas moleculares para evitar fraude nos alimentos