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A História da Aposentadoria

24 de janeiro – Dia do Aposentado

A aposentadoria é uma fase da vida muito sonhada pelas pessoas, principalmente por aquelas que não estão satisfeitas no seu emprego – realidade enfrentada por 57% das pessoas segundo pesquisas recentes. Dessa forma, ela é imaginada como a “Porta da Esperança”, daquele programa do Sílvio Santos da década de 90, ou como algo que magicamente resolva diversos problemas, desde incapacidade de sentir prazer na vida até o cansaço diuturno. Será que é mesmo isso que acontece?

Vou falar um pouco sobre a história da aposentadoria, para que possa entender como surgiu e porque não é tão fácil para muitas pessoas vivenciá-las.

Na época dos homens das cavernas não havia aposentadoria: as pessoas trabalhavam – na verdade exerciam suas atividades de subsistência –  até pouco mais que os 20 anos e, a partir daí, começavam a ficar doentes e morriam. A expectativa de vida não passava dos 30 anos. As pessoas não tinham, na verdade, nem tempo para se aposentar. Nos tempos remotos – onde havia sociedades nômades um pouco mais evoluídas –, passado os anos, os mais velhos começavam a viver em tendas, isolados, criando um ou outro animal, para garantir o seu sustento e ficavam ali até morrer. Outra opção para os mais velhos quando começavam a ter limitações era serem tratados junto com as crianças. Estas eram a duas opções de aposentadoria até então, nada muito agradáveis.

O tempo foi passando e do século XIII antes de Cristo temos o primeiro relato de aposentadoria. Foi instituído pelo Imperador Augusto de Roma e beneficiava combatentes, os chamados legionários romanos. Depois de 20 anos de luta, aqueles que conseguiam sobreviver, eram agraciados com o benefício por tempo de serviço. Desse período até 1684, a aposentadoria era destinada exclusivamente aos militares – pessoas com outras profissões não tinham esse direito. Em 1684, um trabalhador do porto de Londres foi o primeiro civil a se aposentar, porém seu pioneirismo não abriu precedentes e a aposentadoria de civis permaneceu rara por quase dois séculos.

Mas o que acontecia naquele tempo? Como as pessoas que envelheciam lidavam com o trabalho e sua subsistência quando limitações apareciam? O segredo era o acúmulo de riquezas e trabalhar até o limite do possível.

Ao pesquisar sobre o assunto, um fenômeno curioso me chamou atenção. No século XVIII, na França, uma série de patricídios – isso mesmo, filhos assassinando seus pais! – relacionava-se diretamente ao envelhecimento e à aposentadoria. Pais que acumulavam riquezas ao longo da vida, adquiriam terras, empreendiam comércios, simplesmente não paravam de trabalhar e algumas vezes viviam “além do esperado” por seus filhos. Intranquilos com a longevidade laboral de seus pais e sem opções de emprego e carreiras nos moldes como temos hoje, alguns “apressados” cresceram os olhos e passaram a acelerar um pouco o processo sucessório, dando fim à vida de seus pais. Imagine só, após décadas de trabalho, não havia oportunidade para o descanso e ainda, para piorar, havia o risco de um filho adolescente ou adulto querer acabar com sua vida. Graças a Deus, essa moda não vingou.

Continuando, convido dois homens bigodudos para ajudarem a contar a história da aposentadoria. O primeiro deles era o chanceler alemão Otto Von Bismarck. Naquele tempo, final do século XIX, ideologias precursoras do socialismo estavam tomando conta da Europa, isso devido à difícil situação econômica e social de todo o continente. Com a ascensão de ideias de demanda por direitos trabalhistas e protestos iminentes, Bismarck teve que agir – e ele foi muito esperto: tomou uma atitude populista, extremamente demagógica e criou a aposentadoria aos 65 anos de vida (* Nota de Rodapé – algumas fontes trazem que foi instalada aos 70 anos). Esse benefício foi implantado, em 1889. Por que dizer que essa política foi demagógica? Naquela época, raras pessoas chegavam aos 65 anos, a maioria morria muito antes. A média de expectativa de vida era de apenas 45 anos. A aposentadoria tinha como objetivo dar dignidade aos poucos anos de vida restantes dos trabalhadores, que provavelmente o desfrutariam em cima de uma cama.  No entanto, a ação foi bem recebida, aumentando a popularidade de seu criador. Poucos anos antes, em 1883, Bismarck implantou o seguro-doença – fato que historicamente colocou os alemães como pioneiros na legislação da previdência social. (* Nota de Rodapé: No campo da previdência privada, há relatos que a American Express já oferecia planos desde 1875. Consta também que em 1882, a Ferrovia Baltimore e Ohio introduzira seu primeiro plano de aposentadoria, financiado com contribuições de empregadores e dos próprios trabalhadores. Fico com o pioneirismo alemão por sua abrangência e pelo maior número de relatos referindo Bismarck como precursor moderno da aposentadoria.)

No Brasil, historicamente não ficamos tão atrás dos europeus quanto a leis que tratavam de direitos previdenciários. Nas Constituições de 1824 e 1891 havia menção de benefício para funcionários públicos que se tornassem inválidos, independente de terem feito quaisquer contribuições para tal. Em 1888, por decreto imperial, foi regulamentada, pela primeira vez nos moldes como conhecemos, a aposentadoria para empregados dos Correios. Eles teriam direito ao benefício após 30 anos de serviço. No ano seguinte, foi criado o Fundo de Pensões do Pessoal das Oficinas da Imprensa Nacional. Em 1923, foi decretada a lei Elói Chaves, que expandiu os benefícios para outras classes, inicialmente para ferroviários e após para portuários, servidores públicos e mineradores.

Saindo um pouco da esfera das leis – lembrando que elas beneficiaram durante muitas décadas apenas uma parcela da população – e partindo para uma análise social do trabalho, instalou-se um descompasso entre o aumento da longevidade laboral, escassez de postos de trabalho e falta de uma cultura de idealização da aposentadoria, como aquela que conhecemos hoje. Cada vez mais as pessoas conseguiam manter-se produtivas por mais e mais anos. Isso, porém, gerou um problema: não havia tantas oportunidades de emprego como acontece hoje, com isso, os trabalhadores mais novos competiam com os mais velhos pelos mesmos postos de trabalho. Como resolver essa equação? O que fazer ou como convencer os mais velhos a cederem suas vagas aos mais novos?

Nos Estados Unidos, parece que sempre há um médico ou algum cientista de outra área que avalizam as políticas públicas que o governo deseja implantar – isso acontece também em muitos outros países e, infelizmente, em momentos tristes e extremos da nossa história, como no holocausto. O segundo bigodudo que evoco para explicar a história da aposentadoria é o famoso médico norte-americano Willian Osler. Nascido em 1850, ele teve uma carreira brilhante, dando, inclusive, seu nome a alguns sinais semiológicos da medicina. Bom, até começar a pesquisar melhor aspectos sociais da aposentadoria, meu conceito sobre o Dr. Osler era o melhor possível. Mas veja só o que me fez mudar um pouco essa opinião (claro, sem desmerecer todo seu legado à ciência):  segundo o Dr. Osler, as pessoas entre os 40 e 60 anos começavam a apresentar forte declínio cognitivo, com intensa perda funcional e, a partir dos 60 anos, as pessoas se tornavam imprestáveis. Estranha o fato que, ao tentar defender esse ponto de vista, em 1905, o Dr. Osler tinha 56 anos e era chefe de um importante hospital. Esse posicionamento de menosprezo à velhice era bastante útil na medida em que havia a necessidade de se forçar os mais velhos a afastarem-se do trabalho por iniciativa própria, ou que fossem demitidos. Se a medicina diz que não tenho mais serventia profissional, de repente é hora mesmo de parar – poderia se indagar qualquer trabalhador com mais de 40 anos naquela época.

Em poucas décadas, surgiu nos Estados Unidos, em 1955, a seguridade social, organizando a aposentadoria. O trabalhador passou a contribuir com parte de seus rendimentos para receber posterior benefício. Por mais atrativo que esse direito parecesse, mesmo assim existia um grande problema: as pessoas não queriam se aposentar. Isso mesmo: parar de trabalhar não era desejo da maioria. Dessa forma, os governantes e empregadores tinham dificuldades em afastar os mais velhos do mercado de trabalho. As pessoas simplesmente percebiam que não tinham o que fazer em casa, não tinham atividades de lazer suficientes e a pausa não fazia parte da cultura – haviam sido criados para dar um foco muito grande na atividade profissional, trabalhando normalmente mais de 12 horas ao dia. Para a esmagadora maioria das pessoas, o trabalho era o grande e único significante de suas vidas.

E quem poderia, então, resolver este grande problema no qual as pessoas não quereriam se aposentar e muito menos ficar em seus aposentos? Foi aí que surgiu uma mágica, chamada televisão. As pessoas começaram a assistir TV em casa, passaram a se distrair e até mesmo a acreditar que se tornavam imprestáveis aos 60 anos – decidiram que iam, finalmente, ficar em casa.

Então, de 1940 até os dias de hoje, grande parte dos idosos compraram a ideia do Dr. William Osler, que eles podem, sim, ser um pouco imprestáveis, e merecem ficar, mesmo com muita saúde, restritos a seus lares, distraindo-se passivamente – como cantava Raul Seixas, sentados no trono de um apartamento, esperando a morte chegar. Por incrível que pareça, esse foi o ideal de aposentadoria de muitas pessoas ao longo dos últimos 50 anos.

Antes, tivemos a televisão impactando diretamente na forma como as pessoas valoraram seu tempo e dimensionaram seu propósito de vida, hoje, há as redes sociais, como o Facebook, que também podem reforçar esse jeito de viver, passando o tempo todo conectado, distraindo-se. As pesquisas mostram que é justamente entre idosos que o uso das redes sociais mais cresce. O que causa uma ponta de preocupação, mesmo reconhecendo a grande importância e utilidade desses serviços, é a tendência crescente de isolamento social que frequentemente os acompanha.

Voltando agora diretamente à aposentadoria, talvez você não tenha parado para pensar em alguns pontos. O principal deles é que se trata de uma fase da vida que coloca o ser humano em confronto direto consigo mesmo. Como assim? No intervalo de menos de 24 horas, tudo o que se sonhou e se idealizou em relação à aposentadoria é colocado em cheque pelo grau de comprometimento com o planejamento estabelecido, se possível com algumas ações já colocadas em prática.

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